Casa
do cachorro
Quando
sou estimulado a escrever sobre nossa caminhada em Barcarena, percebo que meus
companheiros de trabalho, aqueles que restaram dos primeiros tempos, preferem
casos jocosos, passagens da bandalha, curiosidades da peãozada.
Aquela
primeira fase, desde a travessia na balsa com os mineiros impressionados de ver
a baía do Guajará, foi de treinamentos e durou ano e pouco. É dela que guardo
os acontecimentos mais divertidos, inusitados.
Durante
o período de estudos, o destaque foi o nosso jogo de futebol. Como formávamos
uma turma grande, dois horários foram criados. A jornada correspondia a um dia
de oito horas de trabalho, só que era de aula. Meu grupo iniciava às três da
tarde e encerrava às 23 horas (este horário, aliás, inviabilizou a minha
permanência na UFPA. Meu curso era à noite. Tive que abandonar).
Gente
dos quatro cantos do Brasil, querendo se conhecer, criar laços. E o que une um
monte de marmanjo se não uma partida de futebol? E foi rápido. Tinha um campo
comunitário com iluminação e tudo, perto dos alojamentos, então era só acabar a
aula, todo mundo já com seu material, a gente acendia a luz e a bola rolava.
Total insensatez. O jogo varava a madrugada.
Se
era um despropósito aquele horário, por outro lado, pelo espírito esportivo serviu
para nos conhecermos melhor. Aquele que tinha uma liderança, o nervosinho, o
conciliador, um outro que não estava nem aí, o didático, o formal e o bandalho
total. Eu era da turma do ‘não está nem aí’. Não tinha mais aquela pegada de
grande atleta do glorioso Internacional da Mauriti, me faltava o animus pela
competição e fôlego para disputas mais acirradas. Resulta que ficava só na
manha, na banheira, atrapalhando o goleiro. Se a bola viesse no meu pé, até que
fazia uma graça, mas se não viesse, eu é que não corria atrás.
Mantivemos
a pelada por um bom tempo, até que um dia a bola caiu no terreno de uma casa
que tinha um cachorro deste tamanhão e ninguém se atreveu a pegar. E pior, o
culpado dessa situação delicada, fui eu. Empastelei o jogo. Aconteceu d’eu
estar numa boa, lá na banheira, me escondendo do último zagueiro do time deles,
que não me largava, quando o jogo foi parado. Não tem aquele que quer ser juiz
e decidir todas as jogadas? Pois é, o pequeno parou o jogo alegando falta nele
próprio. Nosso time contestou e a turma ficou naquele empurra-empurra, naquele
foi-não-foi. Saí lá do meu lugarzinho, detrás do zagueiro, entrei no meio do
bolo de gente, peguei a bola, e perguntei pro adversário se ele iria insistir
naquela falta. Ele, já alterado, confirmou. E sentenciou: ou era falta ou não
tinha mais jogo. Aí eu, invocado que era também, falei que estava decidido. Era
falta. E mandei ele ir buscar a bola. Dei uma bicuda pra longe e a bola caiu lá
na casa do cachorro. Nunca mais teve o futebol da madrugada.
O
dono da casa, na certa tomado por uma revolta provocada pela perturbação
daquele jogo de bola fora de hora, não devolveu a bola. Por dias, quando
passávamos pelo local, ainda flagramos o dog brincando de estraçalhar a pelota.
Foi
até bom acontecer a arenga no jogo. Nos conhecemos e nos respeitamos mais.
Identificamos o calibre de cada um. E tomamos rumos mais objetivos. Passamos a
dormir melhor. As aulas exigiam, tinha prova. Alguns refizeram a rotina para se
adiantarem nas matérias.
Cada
treinamento durava três meses. No final, foi acrescentado o curso de Química e
a viagem para Ouro Preto. Ah, Ouro Preto!
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