Maré maré
Parte
da minha adolescência, morei numa vila. O proprietário, de quando em vez
recrutava a molecada para limpar a vala. Era quando os moradores começavam a
reclamar da água empoçando no pequeno quadradinho do quintal. Era um transtorno
em série.
A
gente arrumava uma enxada e mandava ver. Identificávamos os pontos em que a
água era barrada. Um acúmulo de areia aqui (assoreamento), lixo doméstico ali
(entulhamento), capim e um matinho baixo no rego da valeta (barramento
vegetal). Tudo isso a gente ia retirando e a água ia sendo liberada.
Tenho
que contar essa prosa obreira, para demonstrar que a coincidência de maré alta
com chuva forte pode até exercer uma influência no festival de alagamentos que
está acontecendo em Belém, mas não pode levar a culpa sozinha.
Tirando
uma pela outra, uma das alternativas para amenizar os efeitos das grandes águas
de março, é fazer como o senhorio da vila em que eu morava fazia. Tem que
desentupir os canais.
Não
estou dizendo que é só isso, mas quando eu vejo a Pedro Miranda sendo engolida
pela enchente e logo abaixo o canal do Galo ostentando árvores robustas no seu
leito, sinto que facinho, estamos há uma carrada de trabalhos atrás. A tese diz
que quanto mais liso, mais sem obstáculos o canal, mais facilmente a água
corre.
Outras
variáveis devem ser consideradas para entender os alagamentos em Belém. São
decisivas, mas podem ser controladas. A maré alta tão aludida, é uma
injustiçada.
A
maré é um fenômeno astronômico que acontece por influência da Lua e, em menor
intensidade, do Sol. Significa a variação diária na altura das águas do mar.
Aqui, no nosso caso, pra dizer, o mar é a nossa baía o Guajará, que é quase um
pedacinho do mar. Uma hora a baía tá cheia, outra, ela está seca.
A
maré alta, por si, já é capaz de inundar parte da cidade. Esta semana mesmo o
Ver-O-Peso, a região em torno da Doca, várias ruas do Reduto foram cobertas
pela água que extravasou da baía. E sem chuva!
A
somatória deste extravasamento da baía com 12 horas de chuva, então, provoca
uma calamidade.
Tenho
pra mim, que todo esse sufoco é provocado pela redução do espaço de acomodação
da água. Seja da chuva, seja da maré alta. A tese diz da necessidade de termos
canais com o leito e as beiradas lisos, para facilitar a correria da água.
Acrescento que a falta de canais naturais também favorece os alagamentos de
áreas marginais. Ali na doca do Ver-O-Peso, no lugar aonde os barcos de pesca
atracam, era antigamente, a desembocadura de um igarapé que fazia seu caminho
desde as imediações da Tamandaré. Ali, havia um canal que poderia abrigar a
água vinda da maré cheia. Aterramos o Piry, alagamos o Veropa.
A
paisagem de Belém mudou muito e não conseguimos, hoje, identificar as bacias
hidrográficas da cidade. Podemos entender, porém, as bacias como sendo regiões
coletoras de água e se não as localizamos ao natural, podemos reconhecê-las no
traçado de canais que a cidade apresenta. Assim rapidola lembro do canal do
Galo, da Doca, da Tamandaré, da 14, do São Joaquim... e por aí vai. São
receptores que se alisados, para facilitar o escoamento da água da chuva e se
dragados, para aumentar a capacidade de acomodação, poderiam contribuir para a
redução dos reveses que passamos no inverno amazônico.
Eu
sou só um cronista, mas se precisar, posso chamar minha patota, pegar uma
enxada, escolher uma bacia dessas, e sair por aí, desentupindo canais.
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