Dorme
e te conforma
Deu-se
então que esses dias, eu observei com mais aprumo o comportamento da baía do
Guajará. Um motivo guiou esta minha atenção. Agora em setembro, por causa do
Equinócio, é momento de grandes marés. Maior volume de água, maior velocidade,
correnteza braba. Eis, que na rotina das manhãs, não perdia aquela olhadela. As
primeiras observações demonstraram realmente um movimento afoito das águas.
Acontece que, após uns dias na bicora, percebi, naquele mesmo horário,
exatamente o contrário, a água parada, sem aquela ligeireza, sem os ânimos do
banzeiro. Logo reconheci o fenômeno. Estava diante da maré estofa.
A
educação, em vários níveis e, em especial a educação universitária, mudou minha
vida. Porque tive acesso à escola, é que entendi o movimento da maré nesses
dias de Equinócio. Penso, muito convictamente que, entendendo os humores da
baía do Guajará, reconhecendo o instante da maré estofa, nossa vida pode ser
bem melhor planejada, nosso dia tem tudo para acontecer sem desvios. É a nossa
rua, o rio. Precisamos de um waze para explorá-lo nos conformes e nos ‘de
acordo’ com seus caprichos.
A
Universidade me deu a oportunidade de interpretar determinados fenômenos. São
conhecimentos que me permitem ver o amanhecer de forma peculiar, a chuva da
tarde com todas as suas relações (ainda mais estas em pleno setembro), o
friozinho que faz no início do ano, em nossa cáustica Belém. Saberes que estimulam
o meu cocuroto a ver uma árvore, de fora a fora, em todos os seus contornos, e não
tirar os olhos dela sem antes investigar a sua simetria.
Estas
podem ser visões pávulas do valor que a educação tem. Aquela conotação
particular, próxima do prazer. Mas posso levar a prosa para ou outro lado. A
educação, além de nos oferecer a pavulagem do conhecimento, nos proporciona a
sobrevivência. Nos garante varar os dias. Bota o cumê dentro de casa.
Eu
fui um menino entanguido. Raquítico e parrudo. Não cresci como os outros. Tinha
baixa taxa de nutrientes, proteínas, gorduras; escasseava a energia para o meu
desenvolvimento. Eu era resultado de uma luta duríssima pela vida.
Sem
eira nem beira, minha mãe chegou do Acre com quatros bocas para dar de comer.
Não sabia fazer nada. A vida enfurnada nas matas do seringal lhe preparou pouco
para a metrópole. Uma rede de generosidade e solidariedade nos ajudou. Família,
amigos, vizinhos. Em tudo fomos amparados. Conseguimos, as crianças, entrar da
escola, fomos alfabetizados, ganhamos um rumo. Mamãe vendia o almoço para comprar
a janta buscando calar os reclamos do estômago. Às vezes não exitávamos e o jeito
era dormir e se conformar, que a dor da fome passava. Era tudo, e o máximo, que
ela podia nos dar. Além, não tínhamos nada.
Escrevo
aqui neste espaço há treze anos, porque a escola mudou minha vida. Escola
pública.
Quando
recebi o primeiro salário, em Rondônia, aluguei uma casa para minha família que
tinha descarga na privada. Deixaríamos, dali em diante, de encher o balde para
jogar na sintina.
Passei
a comer melhor, a vestir melhor, a ler melhor. Comprei livro pra caramba na
livraria da Rose em Porto Velho.
Semana
passada, na cerimônia de colação de grau na UFPA, ouvi inúmeros pedidos de
socorro. A Universidade corre sérios riscos. O corte de verbas para a educação
superior pública está, literal e simbolicamente, tirando o cumê da boca de
muitos jovens. Fica aqui o meu convite para que cerremos fileiras com os
estudantes. Resistamos.
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