Lavadeiras
Era
descer pro igarapé, e encontrar com elas. Estavam lá todas as manhãs, sobre as
tábuas de lavar roupas. Eram pranchões lisos. Sem farpas ou cantos salientes.
Talhados no bruto, mas untados pelo tempo. Tinham uma película limosa de anos
de uso. Um do lado do outro. E muitos, porque muitas eram as mulheres.
Desciam
com as trouxas, bacias, baldes. Os meninos na barra do vestido. Enquanto
batiam, esfregavam, ensaboavam as peças, a garotada ficava por ali, cangando
grilo.
Mamãe
também descia. Dava a precisão, ela ocupava um dos pranchões. Eu, enrabichado.
Pelo
longe que minha memória alcança, não cantavam, embora exigisse este pendor, o
romantismo das minhas lembranças. Falavam coisas da vida, umas intimidades sem
vergonhas ou culpas desvalidas. Muitas, ao chegarem, a primeira leva que tratavam
era a roupa do uso. Despiam-se, sentavam-se à beira do pranchão, mergulhavam o
pé num canto de água rasa, arqueavam o corpo e desenvolviam a lavagem até que o
corpo desse um aviso de cansaço ou que o piqueirão se dispusesse lavado e
enxaguado. Quando a lida ia encerrando, praguejavam avulso, pelo estirão que
tinham que andar de volta. Ainda mais que logo de cara, com a bacia de roupa
bem torcidinha, que era pra diminuir o volume, atracada ao lado do corpo, se
lançavam ao penoso esforço de subir a primeira ladeira de umas quantas.
Esta
ladeira que levava ao igarapé, era a mesminha que minha irmã, comigo no colo,
em desabalada carreira, tropeçou e me lançou lá longe. Saí rebolando e quando
parei foi com o joelho em cima de uma lata de conserva aberta. Abriu um talho
espetacular . E tão comprido, largo e
profundo foi o golpe que até hoje, pelo arrodeio que fez no joelho, e pelo
tamanho da cicatriz, ainda causa espanto. Mais até, porque sarou sem ponto
nenhum. Só na fé na borra de café.
Se
eu fosse pintor, faria uma tela retratando as lavadeiras do seringal. Daria uma
pincelada de singeleza; Comporia o quadro em tons... não, não... em semi-tons
de fantasia, que era pra não desviar do realismo da beira do igarapé. Meu traço
se dedicaria a deixar a cena que nem que nem. O retrato das lavadeiras teria
movimento. Expressaria os corpos nus, elevando as peças de roupas, armazenando
energia para o choque com a prancha lodosa. Adiante, uma outra lavadeira
ventindo-se com o vestido ainda enxombrado. Além, aquelazinha mais afoita, indo
embora, se adiantando nos primeiros passos ao pé da ladeira. O barranco teria
aquela cor de terra fértil, de topografia contínua, revestido de rara e baixa
vegetação com folhas arredondadas e grandes. Completando a cena, a meninada
folgando entre as pranchas, em brincadeiras irresponsáveis com as bacias de
alumínio, mergulhando no ponto mais fundo do igarapé, espreitando peixinhos
arredios. Eu no meio, pescando lembranças. Ao fundo, o céu azul e o sol
ocidental do Acre.
Ao
fim dos trabalhos, subiam o caminho íngreme e permitiam-se recuperar o fôlego
no terreiro do barracão. Mamãe servia água, um café, chá ou leite de alguma
rês, que fosse. Dali partiam para as colocações. Algumas caminhavam mais de
hora, para chegar. O local de moradia dos seringueiros, onde tinham um barraco
e as possíveis posses, era conhecido como colocação. Espalhavam-se pelos ermos e
sem-fins do seringal.
Nos
meses de agosto a setembro, o igarapé secava de ficar só um fiozinho.
Nessa
época, as lavadeiras lavavam as roupas com o que tinha.
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