Pra
não dizer que não falei de flores
Procurei
flores/No teu olhar/Flores/Mas tua íris/Virou adaga afiada/De golpes certeiros/A
me separar órgãos/Almas/Lábios/A me apartar sonhos/Flores, procurei/Mas teu
olhar/De fogo/Sem piedade/Dizimou minha paixão/Chama fulminante/Sem poesia/Fez
cinzas/Do meu coração.
Há
muitos anos, queria ser poeta. Um poeta às escuras. A ser tateado. Vivia em
conflito. Achava minha poesia de uma brotação sofrida. Sério! Cheia de
nãopalavras, de nãoencontros, de sinsnãos. Aí veio o tempo do desencanto e me
quedei à prosa. Nunca mais tentei uma quadrinha e nem dei trela paras as
criações de antes. Até que, olha só, chegamos nessa doideira que é 2018.
Uma
oportunidade de reatar com minha poesia, ainda sem a pretensão de criar cantos
novos, porque hoje me sinto oco de líricas, rimas, ou sintaxes do coração (o
mundo é cru e cotidiano demais para as livres abstrações dos meus versos). Uma
chance, porém, de reanimar impressões antigas. Revelar o real valor das flores.
Quando
fiz esse poema lá de cima, logo de prima, foi tido e havido como romântico,
tecido sob o emaranhado indomável do amor negado. A quem mostrava, logo me
voltava com o olhar marejado, insinuando o peito tangido pelo fogo imenso da
paixão não correspondida. Quem lia, estabelecia a empatia, formulava
conivências, solidariedade, referências íntimas de sofrimentos e perdas.
Na
época deste poema, era dirigente sindical, lutava por uma causa pra lá de
difícil de ser conquistada. Formava numa rodada de negociação e, me empenhava em
ostentar flores ante o time que se alinhavam do outro lado da mesa (nem sempre
fui a tão decantada brutalidade diante dos meus contendores. Fui useiro e
vezeiro do meu charme, do meu conhecimento, e das minhas habilidades, de forma
a negociar sempre bons resultados para a minha categoria. Quando emperrava é
que a barca virava. Era só triscar que eu acendia. Virava um zezeu por uma causa
justa, por necessidade e fé na missão). Na ocasião, eu estava que era um amor.
E tão confiante, e tão seguro que, pelo andar da carruagem, já dava o
atendimento à nossa reivindicação como garantido. Até que negações certeiras
vindas de várias direções me separaram órgãos, almas, lábios. Como diz a
galera, hoje em dia: fiquei arrasado. As flores não venceram. E escrevi o poema
que fazia menção de ser romântico.
A
única pessoa a quem revelei o verdadeiro sentido dos versos livres, foi o Doutor
Geraldo, nosso advogado e companheiro dedicadíssimo de bancada.
Ao
me perceber desmilinguido, naquele poema, me ralhou e mandou que eu tomasse
jeito, criasse termo e tornasse à luta.
No
fim, tudo deu certo. Doutor Geraldo, animado com as flores da vitória, pediu
que eu reproduzisse o poema em uma moldura. Levaria a lembrança para lugar de
destaque no seu escritório. Não deu tempo. Nos deixou e levou com ele meu
carinho, minha admiração. Minha gratidão.
Precisava
falar de flores. Hoje o Brasil necessita afinar o coração. Sinto Doutor João
José Geraldo no calor desta hora, me triscando a tornar à luta pelo bem. Vou acender
de novo. Depois, emolduro um poema.
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