Do
menor para o maior
Nunca
mais tinha ido pras partes. A cidade escureceu, algo nela entristeceu e eu
desanimei. Mas o show do Milton Nascimento deu uma chacoalhada na minha rotina
de recluso. Economizei uma ponta, me adiantei nos ingressos, montei minha
turminha e, no sábado, mal bateu a campa e eu já estava lá de palmo em cima com
o Bituca. Quer dizer... quase.
Cheguei
cedo, fui me ajeitando, ansioso e feliz por estar bem posicionado. Mas perdi feio
para quem ia além dos meus voluntariosos metro e cinquenta de altura. Fiquei de
palmo em cima, mas me valendo somente de uma brechinha, de um pescocinho mais
estirado de fino, de um desabraço dos casais que se postaram à minha frente.
Há
uma tendência, em Belém, de realização destes shows mais concorridos, em
espaços plano-horizontais, sem desnível. Aí já viu, né, além da conformidade
planar do piso, nós amazônidas que estamos ali na estatura média pouca coisa
acima de um metro e sessenta, enfrentamos mais uma dificuldade pra enxergar
direitinho, os artistas. Somamos a esta questão, uma luta selvagem dos
espectadores na conquista de posições perto do palco. Uma luta ferrenha, na
maioria das vezes velada, decidida em detalhes e que utiliza a força e a
envergadura dos contendores. Para nossa indignação, os que são do tipo armário,
não raro, vencem.
Nessas
horas, a gente vê pessoas diferentes daquelas que encontramos na batida diária
pela Pedreira. Há uns porrudos, forjados a bons e vitaminados repastos, que não
estão nem aí para a partilha do espaço. Não só na vertical. Também na
horizontal. Não se misturam. Não admitem um ombro ao lado, ou uma distância
mínima de convivência. Impressionante! Em pleno show do Milton, um artista que
canta músicas de paz, um cara que faz melodias que se harmonizam com as
estrelas, a gente encontra gente devoradora, territorialista, egoísta. Até ali,
nos detalhes, rola o bom combate, só que presenciei a cena de um camarada que,
pela compleição física, poderia, sem prejuízo algum ao campo de visão, ficar um
pouquinho mais atrás, ceder o lugar para uma petizada entusiasmada, para mim,
para minha filha ou para o meu amigo Elias Pinto, bravo combatente. Mas não.
Postou-se à nossa frente, feito uma muralha. E foi tal a barreira que ele fez,
que, se não nos acudíssemos das brechinhas, a única visão que teríamos seria o
vermelho da camisa de marca dele. E quando alguém superou aquela barricada e
lançou-se à frente, alheio ao mantra das estrelas que inundava o local, o
monstro aplicou-lhe uma sonora cachuleta. Seguiu-se o maior climão. Ah, mas reinei
tomar as dores da categoria e mandar aquela castanheirona vermelha abaixo com
os golpes certeiros que aprendi naqueles filmes de Shaolin que passavam no Paraíso.
Para o bem dele, me conformei com as brechinhas.
Fica
a dica para as próximas produções. Podem introduzir o sistema ‘do menor para o
maior’. Montar um corredor com uma varinha horizontal daquelas que limitam a
altura (dizque sistema largamente utilizado como critério de gratuidade à
petizada em balneários pelo interlan). Bateu nela, pra outra fila, pra outra
fila.
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