sábado, 21 de outubro de 2017

crônica da semana - do menor para o maior

Do menor para o maior
Nunca mais tinha ido pras partes. A cidade escureceu, algo nela entristeceu e eu desanimei. Mas o show do Milton Nascimento deu uma chacoalhada na minha rotina de recluso. Economizei uma ponta, me adiantei nos ingressos, montei minha turminha e, no sábado, mal bateu a campa e eu já estava lá de palmo em cima com o Bituca. Quer dizer... quase.
Cheguei cedo, fui me ajeitando, ansioso e feliz por estar bem posicionado. Mas perdi feio para quem ia além dos meus voluntariosos metro e cinquenta de altura. Fiquei de palmo em cima, mas me valendo somente de uma brechinha, de um pescocinho mais estirado de fino, de um desabraço dos casais que se postaram à minha frente.
Há uma tendência, em Belém, de realização destes shows mais concorridos, em espaços plano-horizontais, sem desnível. Aí já viu, né, além da conformidade planar do piso, nós amazônidas que estamos ali na estatura média pouca coisa acima de um metro e sessenta, enfrentamos mais uma dificuldade pra enxergar direitinho, os artistas. Somamos a esta questão, uma luta selvagem dos espectadores na conquista de posições perto do palco. Uma luta ferrenha, na maioria das vezes velada, decidida em detalhes e que utiliza a força e a envergadura dos contendores. Para nossa indignação, os que são do tipo armário, não raro, vencem.
Nessas horas, a gente vê pessoas diferentes daquelas que encontramos na batida diária pela Pedreira. Há uns porrudos, forjados a bons e vitaminados repastos, que não estão nem aí para a partilha do espaço. Não só na vertical. Também na horizontal. Não se misturam. Não admitem um ombro ao lado, ou uma distância mínima de convivência. Impressionante! Em pleno show do Milton, um artista que canta músicas de paz, um cara que faz melodias que se harmonizam com as estrelas, a gente encontra gente devoradora, territorialista, egoísta. Até ali, nos detalhes, rola o bom combate, só que presenciei a cena de um camarada que, pela compleição física, poderia, sem prejuízo algum ao campo de visão, ficar um pouquinho mais atrás, ceder o lugar para uma petizada entusiasmada, para mim, para minha filha ou para o meu amigo Elias Pinto, bravo combatente. Mas não. Postou-se à nossa frente, feito uma muralha. E foi tal a barreira que ele fez, que, se não nos acudíssemos das brechinhas, a única visão que teríamos seria o vermelho da camisa de marca dele. E quando alguém superou aquela barricada e lançou-se à frente, alheio ao mantra das estrelas que inundava o local, o monstro aplicou-lhe uma sonora cachuleta. Seguiu-se o maior climão. Ah, mas reinei tomar as dores da categoria e mandar aquela castanheirona vermelha abaixo com os golpes certeiros que aprendi naqueles filmes de Shaolin que passavam no Paraíso. Para o bem dele, me conformei com as brechinhas.

Fica a dica para as próximas produções. Podem introduzir o sistema ‘do menor para o maior’. Montar um corredor com uma varinha horizontal daquelas que limitam a altura (dizque sistema largamente utilizado como critério de gratuidade à petizada em balneários pelo interlan). Bateu nela, pra outra fila, pra outra fila.

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