A
bom remar
É
um jeito delicioso de falar que não se usa mais. Antigamente era comum: “dizque
fulana ia me dar uma prova daquele chope de groselha docinho. E eu, a bom acreditar
nela, mas quite, me enganou, a sacrista”... Só Jorane mesmo.
Uma
única vez a vi de pertinho. Foi numa mobilização em favor da preservação do
Casarão da Praça Ferro de Engomar. E nem foi tão de perto. Eu fiquei numa
esquina, e ela noutra. Mas reparei bem o quanto ela é reconhecida como uma
referência. Revela opiniões, expõe ações. Naquela época, fez peso, ali na
praça, em favor da proteção do Casarão que estava sendo pilhado de peças
estruturais e ornamentais de considerável valor histórico e cultural.
Sou
fã da cineasta Jorane Castro. Não sou nem crítico de cinema nem nada, mas dou o
maior valor na linguagem que ela usa para contar as histórias na tela. Além do
talento, Jorane tem uma desenvoltura, uma facilidade na comunicação de chamar
atenção. É jornalista, atua no meio acadêmico, tem obras reconhecidas
internacionalmente, mas admiro muito a cineasta, também, por aquele traço
ribeirinho, aquele viés pés no chão da personalidade dela.
Atinei
bem na revelação destes vieses da alma, numa entrevista que ela deu à
jornalista Linda Ribeiro, no programa Coxia. Um momento muito dos seus pai d’égua.
Duas destacadas figuras na arte da
comunicação. Linda Ribeiro, usando da sua reconhecida competência como
entrevistadora, deixou Jorane muito à vontade para uma boa conversa. E aí, ela cortou
e arou. Falou dos tempos que viveu fora do Brasil, dos grandes projetos que
participou, da estrutura profissional que ergueu para viabilizar o cinema na
Amazônia. Éraste, e eu, vendo pela televisão e já conhecendo um pouco da
trajetória da cineasta, fiquei até tonto com tantos valores, com tantas
conquistas, com a envergadura do talento de Jorane. Estava, então, explicado:
Me peguei como um fã platônico que jamais atravessaria a rua da praça Ferro de Engomar para puxar uma prosa com
pessoa tão famosa, mesmo que fosse para salvar o Casarão. Era uma estrela das
mais inalcançáveis alturas. Das mais inatingíveis lonjuras...
Até
que ela começou a falar das vezes que vinha de Paris para as férias e se
quedava aos encantos ribeirinhos do interior. Nessa hora, bateu o martelo sobre
aquela coisa da natureza cabocla que ela preserva. Mostrou-se rés ao chão
paraense. Perto mesmo, de ao pegado da gente.
Em
determinado momento, usou uma expressão que por demais me encanta. Confrontando
a vida nos glamourosos recantos da Europa, com o emaranhado de furos que moldam
os rios da Amazônia, revelou que, quando das férias, passava os dias no
interior “a bom remar, a bom remar”, assim mesmo, de forma reiterada.
“A
bom remar” É uma variação do sentimento de intensidade que vale para “a bom
esperar”, “a bom andar”. Só Jorane mesmo, em entrevista perfeita, na
simplicidade de todo seu brilho, para abrigar tão bem, na boa fala, uma pérola
dos nossos dizeres tradicionais.
E
falou com tanta naturalidade, que parecia que estava na porta da rua, numa
conversa solta, de fim de tarde cametaense, a bom enfileirar causos.
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