Sou dos becos, sou das bocas
Foi
um tempo bom que não volta mais. Essa coisa de pobre andar pra cima e pra baixo
de avião já que acaba. E nem é pelo preço das passagens. A baixa participação
do nosso povo vai ser por causa do preço das bagagens. Agora, se a gente não
cuidar, corre o risco de, só para despachar as tralhas, pagar quase o triplo do
valor das passagens compradas naquela promoção pai d’égua.
É,
vai pesar mesmo no orçamento... Como tínhamos uma promoção boa que nos
franqueava a bagagem e nos levava por um preço bem em conta, escolhemos
novamente o Rio de Janeiro como destino de férias. A paisagem, o traçado
geomorfológico do Rio, é encanto comum. Todo mundo que visita a cidade, espera
conhecer suas belezas naturais. Da minha parte, tinha uma motivação especial.
Fui atrás dos becos, das bocas. E achei.
O
que chamo de becos, ou bocas, porém, vai além das vielas perdidas e escuras.
São as referências marginais, são formatos subversivos de arte, são resistências
culturais. Algo diferente de ‘um cantinho, um violão’. Embora aprecie a dupla,
estava mais para “barracão de zinco”, mais para “lata d’água na cabeça”. O meu
norte era o samba, mas seguindo o som dos becos, apaniguei a balada singela e até o Jazz.
O
começo de tudo foi na Pedra do Sal. Um lugar de manutenção e realização da
cultura afro-brasileira. Um espaço que agregou e congregou a religiosidade e a
arte dos negros. Era o que eu estava procurando. De repente, estava pisando no
mesmo chão que pisaram símbolos da nossa história como Pixinguinha, Donga,
Heitor dos Prazeres. Um ambiente que reunia o negro vindo da ‘Costa’. E que,
hoje, reflete a trajetória do samba sob as bênçãos de Tia Ciata.
Atualmente,
há um esforço muito grande para sustentar aquele lugar como um local de culto à
memória. A roda de samba que acontece ali, além de pôr a turma para cantar e
dançar, além de reunir pensamentos comuns, também é um nicho de
conscientização. E por isso sofre, como sofrem por este Brasil afora as manifestações populares, quaisquer que sejam, de rua. Uma semana antes da minha visita, a
roda de samba não se realizou por causa da ameaça de ser empastelada pela
Guarda Municipal.
O
vento frio, o ar seco, cortante me levou a lugares aquecidos. Uma ponta prateada
de lua me indicou o caminho e fui dar em uma reunião embebida pelos mais concentrados
fluidos de liberdade. Uma rua, até um dia desses, abandonada, ao largo da praça
Tiradentes e que hoje se move excitada respondendo aos estímulos vigorosos do
Jazz.
Mais
uma voltinha no vento, e o encontro com a palavra de esquina, plena,vulcânica.
A Lapa, na praça Luana Muniz, se iguala em opulência à mais extraordinária
feição geomorfológica da cidade. O Sarau do Escritório é uma grande planície
florada, com campos densos, e aqui, ali, escaninhos reluzentes, misteriosos,
donde surge um Chacal a uivar versos livres.
Nas
ruas do Rio de janeiro, encontrei a música (algo diferente do cantinho e do
violão), a poesia, o traço, a cor, a história, a memória, corações e afetos,
valores e conteúdos que me ratificaram como sendo dos becos. E das bocas.
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