22 anos e lá vai poeira
Na
terça-feira próxima passada, inteirei 22 anos trabalhando na mesma empresa.
Para mim, um fato extraordinário. Mas antes de ter este aspecto portentoso, na
minha carreira de operário, cria um caráter subversivo na minha trajetória de
cronista. Nunca na história desta coluna, falei deste trabalho do qual vivo os
últimos 22 anos. Hoje vou falar.
E
como sou um narrador dos pretéritos nem tão perfeitos, começo com o primeiro de
agosto de 1995.
Foi
um choque. Uma atividade completamente diferente daquela que eu desenvolvia até
então. A mim me destroncou totalmente, o momento em que recebi uma pá, como
instrumento de trabalho. Eu tinha mais de dez anos de formado como Técnico em Mineração
e, até ali, a única ferramenta que conhecia era a lapiseira. Éraste, sofri que
só com aquele choque de realidade. Chorava pelos cantos, meu corpo reagia mal
àquela lida, àquele regime bruto que me fazia duvidar da mais remota possibilidade
de vingar naquele serviço, um mês ao menos (que dirá, 22 anos). A barra pesou pacas
pro meu lado.
Não
desisti. Encarei a parada. Dei o valor exato àquele trabalho. Achei argumentos
para torná-lo digno e importante para o processo em que eu militava e, ora, ora,
para a minha sobrevivência.
A
terça-feira próxima passada se deu em branco para muita gente. Não para mim. Volvi
aos primeiros dias e catei uma razão para meus momentos de infortúnios. O
motivo, talvez, viesse até mesmo daquele processo de formação na Escola Técnica
que penso, sem maldade, nos incutiu este temperamento arrogante, ao sair para o
mercado de trabalho. Não admitindo reveses. Na Escola a doutrina pregava a
liderança, a chefia de grandes hordas de peões indisciplinados. O salário ali em
cima, o status de ser um capataz melhorado, a soberba dos iludidos. A cartilha
em que rezávamos não vislumbrava em momento algum, um cenário em que nós
seríamos os peões. Daí o sacolejo que me tirou de órbita.
Mas
não me arrependo, ao olhar para trás. A vida de operário me apresentou outros desafios
rigorosíssimos (daqueles que deixavam o ato de empunhar uma pá, lá atrás em
termos de tensão e inquietação). Aprendi o sentido de coletividade quando me
envolvi no movimento sindical (ainda hoje, apesar da alteração na diastólica,
não sei pensar só no meu umbigo. Tudo que diz respeito ao ambiente de trabalho,
mesmo que me seja alheio, dou pitaco, faço zangas, contesto, apoio).
Meio
sem jeito, um tanto bambo, com uma vergoinha besta, rogo o perdão dos meus
leitores por desvelar essa passagem recôndita, escondidinha da minha vida
profissional ativa. Não poderia deixar passar em branco esta data. E nem
admitiria um silêncio sobre a minha alegria em ter conquistado 22 anos como
operário. Sim, sou feliz por isso. A família, meus livros editados, alguns
prazeres a que me dou o direito, uma ou outra ajuda a quem precisa, a minha
cervejinha. Parte do que sou, os amigos que conquistei são produto daquele dia primeiro
de agosto de 95, em que tomei como instrumento de trabalho uma pá e a
transformei na mais lustrada, refinada e precisa lapiseira que arrisquei
empunhar.
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