sábado, 29 de julho de 2017

crônica da semana - santosdumont

Viagem de avião (com o pé direito)
Antigamente eu tinha uma roupa meio aquela de arrumadinha só para viajar de avião. Camisa manga comprida, calça social no mais alinhado vinco, lenço passadinho no bolso. Durante um bom tempo ostentei, também, um sapato em couro trançado que era um mimo. Durou, durou que só. Depois que aquele par de sapatos se acabou de vez, sei lá, minha vida ficou vazia (ou minhas viagens de avião ficaram de vera, sem jeito, menos engalanadas).
Era um acontecimento. Uma viagem de avião naqueles meus primeiros passos pelos céus era algo de garboso momento. E algum sinal: quem viajava de avião, ou era barão ou trabalhava em firma boa em Tucuruí. Eu não trabalhava na construção da hidrelétrica, mas era da parte da firma.
Tirando as formalidades que foram, de certa forma, abolidas (dispensei o lenço), com o passar dos anos, a sensação que tenho, ao viajar de avião, ainda é a mesma. Não chega a ser um desespero daqueles de encarreirar os mistérios dolorosos em recitações tensas do terço a cada decolagem, mas, me bate uma gastura, uma impressão de pequenez, de impotência.
Estar flutuando, aparentemente sem se apoiar em nada, sem se mover sobre qualquer matéria visível, me inquieta. Iniciados vão argumentar que há sim, um meio físico de suporte para a sustentação da aeronave lá em cima que é o ar. Mas a gente lembra disso lá nas alturas? O que a gente vê mesmo é só o vazio (ou umas doces nuvenzinhas entre o avião pesadão e o chão distante e certo).
Longe de mim descredenciar a ciência das coisas, mas lá em cima o buraco é mais embaixo. Não sei vocês, mas em voos com mais de uma hora de duração, já procuro o sol, uma estrela conhecida, o mar, pra ter certeza que o bicho está no rumo certo; crio referências para perceber se não está perdendo altura; tento, apesar das constipações no ouvido, discernir ruídos (não tem uma hora que parece que o motor para?). Fico ligado e, em que pese uma injustificada desconfiança acerca dos absolutos tratados sobre aerodinâmica, revisito mentalmente os conceitos da Física que mantêm aquela máquina porruda e pesada, no ar. O ouvido atento...
Pensando sobre isso ainda, já em terra firme, no Rio de janeiro, subi os quase mil metros de altitude da serra da Estrela e fui confortar meu coração na casa de Santos Dumont, em Petrópolis.
(Se eu estivesse na quinta série e, no retorno às aulas, tivesse aquela missão de fazer uma redação falando sobre as férias, escreveria contando estes detalhes, estas besteragens que permeiam meus pensamentos, não exatamente semeando pavor, mas talvez ativando uma pontinha de orgulho e encanto que tenho por uma humanidade criativa, revolucionária, que descobre matéria onde nada vemos, que usa das forças invisíveis, e que domina os mistérios gloriosos do céu. Continuaria reiterando este meu fascínio, principalmente por ser o Brasil, o berço do homem que pôs pra voar a primeira máquina mais pesada que o ar.  Admitiria a minha pequenez porque, não entendi a genialidade de Santos Dumont, patetei e ameacei  iniciar a subida na escada da casa do gênio com o pé esquerdo).

  

Nenhum comentário:

Postar um comentário