Viagem de avião (com o pé
direito)
Antigamente
eu tinha uma roupa meio aquela de arrumadinha só para viajar de avião. Camisa
manga comprida, calça social no mais alinhado vinco, lenço passadinho no bolso.
Durante um bom tempo ostentei, também, um sapato em couro trançado que era um
mimo. Durou, durou que só. Depois que aquele par de sapatos se acabou de vez,
sei lá, minha vida ficou vazia (ou minhas viagens de avião ficaram de vera, sem
jeito, menos engalanadas).
Era
um acontecimento. Uma viagem de avião naqueles meus primeiros passos pelos céus
era algo de garboso momento. E algum sinal: quem viajava de avião, ou era barão
ou trabalhava em firma boa em Tucuruí. Eu não trabalhava na construção da
hidrelétrica, mas era da parte da firma.
Tirando
as formalidades que foram, de certa forma, abolidas (dispensei o lenço), com o
passar dos anos, a sensação que tenho, ao viajar de avião, ainda é a mesma. Não
chega a ser um desespero daqueles de encarreirar os mistérios dolorosos em
recitações tensas do terço a cada decolagem, mas, me bate uma gastura, uma
impressão de pequenez, de impotência.
Estar
flutuando, aparentemente sem se apoiar em nada, sem se mover sobre qualquer
matéria visível, me inquieta. Iniciados vão argumentar que há sim, um meio
físico de suporte para a sustentação da aeronave lá em cima que é o ar. Mas a
gente lembra disso lá nas alturas? O que a gente vê mesmo é só o vazio (ou umas
doces nuvenzinhas entre o avião pesadão e o chão distante e certo).
Longe
de mim descredenciar a ciência das coisas, mas lá em cima o buraco é mais
embaixo. Não sei vocês, mas em voos com mais de uma hora de duração, já procuro
o sol, uma estrela conhecida, o mar, pra ter certeza que o bicho está no rumo
certo; crio referências para perceber se não está perdendo altura; tento,
apesar das constipações no ouvido, discernir ruídos (não tem uma hora que
parece que o motor para?). Fico ligado e, em que pese uma injustificada
desconfiança acerca dos absolutos tratados sobre aerodinâmica, revisito
mentalmente os conceitos da Física que mantêm aquela máquina porruda e pesada,
no ar. O ouvido atento...
Pensando
sobre isso ainda, já em terra firme, no Rio de janeiro, subi os quase mil
metros de altitude da serra da Estrela e fui confortar meu coração na casa de Santos Dumont, em Petrópolis.
(Se eu estivesse na quinta série e, no retorno
às aulas, tivesse aquela missão de fazer uma redação falando sobre as férias, escreveria contando estes detalhes, estas besteragens que permeiam meus
pensamentos, não exatamente semeando pavor, mas talvez ativando uma pontinha de
orgulho e encanto que tenho por uma humanidade criativa, revolucionária, que
descobre matéria onde nada vemos, que usa das forças invisíveis, e que domina
os mistérios gloriosos do céu. Continuaria reiterando este meu fascínio,
principalmente por ser o Brasil, o berço do homem que pôs pra voar a primeira
máquina mais pesada que o ar. Admitiria
a minha pequenez porque, não entendi a genialidade de Santos Dumont, patetei e
ameacei iniciar a subida na escada da
casa do gênio com o pé esquerdo).
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