Biotônico Fontoura
Peguei
todo mundo na mentira. Nem era par ser este Bê-á-bá...Bê-é-bé...Bê-í-bi...o-tônico
Fontura o título desta crônica. O certo mesmo era esta historinha ter por
título o outro suplemento famoso da minha época de moleque parrudo, o óleo de
fígado de bacalhau. Mas é um nome grande, com sobrenome e subtítulo em versão
erudita “Emulsão Scott” e em dito popular “Emulsão de Escote”, que era como eu
conhecia. Por aí a gente tira, só no título eu consumiria boa parte dos
caracteres que me são disponíveis nesta prosa.
Mas
não vamos nos bater. Não há motivo pra gente ficar de ponta. Minha mentira é
doce. Não é de fazer mal. Apela para uma imagem, para um gosto antigo e
revigorante, abre o apetite, tira a palidez e, olha, é mentirinha cheia de
afinidades, afinal, naqueles tempos, a Emulsão de Escote e o Biotônico Fontoura
eram fortificantes que a gente tomava uma colherada dum; passava um pedacinho, e
uma colherada doutro.
A dupla,
me parece, ainda existe nas farmácias. Não tenho certeza. Perdi contato. Acho
que por isso ando numa panemice, num desânimo só.
O
que torna é que há um motivo pra este tema de hoje. E não tem lá a ver com a
sustância e a boa disposição prometidas pelos elixires. Disse que era uma crônica
surgida de uma imagem, num foi? E é. De um rótulo.
No
vidro de óleo de fígado de bacalhau, o rótulo é ilustrado com a imagem de um
pescador trazendo às costas, um peixe enorme. O bacalhau é fisgado e alçado de
forma que, pendurado, dá na altura do homem.
Em
mim, é marcante esta figura. Forte a idéia de um peixão fisgado. Elevado.
Dominado. Uma cena anticonflito. Anti “O Velho e o mar”. Não sugere esforços
exagerados do homem para pegar o peixe. E até me parece contradizer os
benefícios da bebida, porque o homem representado não exibe aquele ar saudável,
conquistador, vencedor. Na foto, tá mais pra Jeca Tatu que para Hemingway.
E
foi no Veropa, que tal? Tava eu espairecendo da semana, tomando uma gelada, ao
pôr do sol, bem de boa, só curtindo o ventinho terral, quando alguém, com um
semblante entre o horror e a incredulidade, me levou a olhar além dos ombros.
Atrás de mim, uma cena desconcertante para uns princípios conservadores que
ainda cultivo. Uma moça estava sendo, literalmente fisgada. O arranjo consistia
em mostruário de pano preto apinhado de brincos e piercings de tudo quanto é
cor, tipo e qualidade, uma bolsa aberta, largada sobre um banco, uma moça
dividindo uma cerveja com um parceiro e um rapaz (tatuador?) fincando um gancho
deste tamanho um isso assim acima dos lábios dela. Esta sim, uma cena com o
fulgor, com a energia e a força de um Hemingway. Na investida decisiva, acompanhei
a zagaia varar a pele da menina. A bichinha chega ergueu-se da mesa (O rótulo
da Emulsão de Escote se reproduzindo ali, de palmo em cima). Depois de
perfurado o buço, a limpeza do pouco sangue derramado foi feita. Com o beiço
meio inchado a moça olhou-se no espelho e aprovou o trabalho do tatuador
(instalador de piercing?). Ali, em pleno Ver-o-Peso, a moça continuou com a
cervejinha, e a prosa com o acompanhante. Fisgada e Feliz.
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