Pai alterna
Era
um show de um rapazinho fofinho, gente boa pacas, adorado pela petizada. Por
força das interações, convivência e conivências com minha filha, até sabia umas
músicas dele. “Tempo de pipa” era a minha preferida. Fui junto. Fiquei lá
espremido junto à grade, bem pertinho do palco, durante boa parte do show. Ao
final, acompanhei o cortejo de fãs até o camarim, supliquei para o baixista
chamar o cantor lá dentro, e quando ele veio, esperei pacientemente, a vez,
para fazer o retrato dele com Amaranta. Foi tudo muito perfeito e prazeroso
naquela noite. O desfecho feliz, autógrafo, quetais, coquetes e salamaleques.
Mas o começo de tudo foi tenso.
Era
noite. O local do show era uma mistura de casa de espetáculo e bar. Minha filha
tinha pouco mais de dezesseis anos. Apesar de todos os papéis solicitados pela
produção, na hora de mostrar as identidades, a menina foi barrada. Um segurança
de uma envergadura monumental, que se fosse medido, bem medidinho, somaria uns
três quilômetros de tórax e que se alçava a uma elevação comparável a um prédio
de oito andares, nos impediu de entrar, sem papo e sem apelo. Pensa num pai
pê-da-vida. Olhei pra cima, comparei nossas posses, ponderei que o paletó preto
que encapava o segurança, poderia fazer alguma diferença em favor dele, na hora
do vamos-ver-quem-tem-razão, já que, só de bermuda, camiseta e percata, eu
estava. Relevei a afronta, desisti do enfrentamento radical e passei à
conversa. Ele me cobrou uma autorização do juiz. Aí eu peguei o bacana na dobra.
O que seria uma autorização do juiz senão uma autorização minha, do pai,
autorizando o juiz a autorizar a entrada da minha filha naquele recinto. Estávamos
pulando etapas, ora. Eu já estava ali. Estávamos economizando tempo, aliviando
a carga de um servidor público aquilatado, desestressando a magistratura dessas
coisinhas bobas. E dei o xeque-mate, anunciando a ele e aos passantes, que eu
autorizava. O próprio pai estava ali para autorizar a menina. Fui aplaudido
pela galera que fazia fila na roleta. Sem defesas ele capitulou, não ficou de
todo convencido, não, mas vergou o corpanzil, ajustou a pulseira de plástico
com uma tarja verde no meu braço, no braço da minha filha, e abriu caminho.
Depois foi tudo as mil maravilhas. Showzaço do Cícero. Minha filhinha feliz.
E
virei pai alterna. Uma marca surgida por causa dos lugares meio diferentes, em
que eu era visto acompanhado dos meus filhos. Encontro de poetas, batuques em
praça pública, arrastões de bois, e estes shows de cantores pouco conhecidos. Era
comum eu levar as crianças para estas partes. Com o passar do tempo, eles é que
passaram a me levar. E foi assim, no show do Cícero fofinho. Eu, em muitos casos, ainda, chancelando a
identidade e segurando a onda com seguranças porrudões.
Depois
de amanhã, Amarantinha completa 19 anos. É dona do próprio nariz, responsável e
programadora de si mesma. O lado bom é que já é ‘de maior’ e não precisa mover
mundos para ter direito ao divertimento que lhe apraz. O outro lado, é que não
convida mais o pai alterna para ir às partes com ela.
É triste, mas é assim. Até para os paizões chega esse momento. Mas ñ se preocupe ñ. Passada essa fase, ela voltará a ser a filhinha do papai alterna. Todos somos filhos pródigos em algum momento das nossas vidas. Linda crônica! Parabéns pra vc e pra Marantinha...
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