Vestida de azul e branco
Levando
um sorriso franco pelos caminhos que iam dar no Instituto de Educação, Luzia
encantava com os seus passos educados, o insubordinado seringueiro.
Pra
frente que era, o homem do mato, mais velho e mais experiente, mas indiscretamente
apaixonado, não resistia e acompanhava, com evidente interesse, o inocente
caminhar da normalista de 16 anos rumo à Escola Normal.
No
início da noite, enquanto as moças passeavam faceiras pela praça à beira do
rio, ele juntava uns amigos, arrumava um violão e se declarava para Luzia
cantando os versos de Nelson Gonçalves que tinham uma normalista como musa
inspiradora.
Não
conhecia limites, o coletor de látex, fazia e acontecia para chamar a atenção
da jovem estudante. Aproximou-se da casa, conquistou os pais, os irmãos,
superava-se em gentilezas para a família.
‘Mas
a linda normalista não pode casar ainda, só depois que se formar’, alertava a
poderosa voz de Nelson Gonçalves na canção. E ele esperou.
Nessa
época, Luzia ainda não era a mamãe. Era uma estudante do curso normal querendo
ser professora lá nas terras distantes do Xapuri e Manoel Sodré, atentado que
só ele, ainda não era meu papai que tão pouco conheci, era um coração entregue,
dominado, submetido aos caprichos da paixão.
O
seringueiro, que de passagem se diga, era realmente um homem carismático, boa
praça, fez porque fez que acabou ganhando a simpatia e o amor da doce
normalista.
Casaram-se.
E foi tudo direitinho, como manda o figurino. Com véu, grinalda, e lua de mel
na capital do então território do Acre. Depois vieram os filhos...
Outro
dia, coloquei o disco na vitrola, chamei os meus meninos e disse, olha aí, foi
assim que a nossa história começou, com o Nelson Gonçalves fazendo a trilha
sonora.
Luzia
enviuvou aos 28 anos. Desde então, viveu apenas para as crias. Deu as costas
para o mundo e dedicou a vida única e exclusivamente ao papel de mãe.
Neste
ano de 2008, faz dez anos que Nelson Gonçalves nos deixou. Naquele dia, quando
ouvi pelo rádio a notícia da morte do cantor, senti que os rastros deixados
pela felicidade que um dia existiu, estavam por fim, se apagando. Pressenti que a linha frágil, mas benéfica,
útil que ligava a história da cândida normalista lá do interior do Acre com a
mãe dedicada prostrada, agora, num leito de hospital em Belém, estava, a partir
daquele momento, se rompendo.
Naquele
instante, peguei a mão de minha mãe (as mãos mais lindas do mundo), e pedi que
ela cantasse aquela canção do Nelson. Por quê? - perguntou ela surpresa com
aquela idéia absurda. Porque, mamãe, respondi pausadamente, porque quero
guardar a tua voz aqui dentro do meu coração cantando a canção que um dia te
fez feliz.
A
minha mãe não cantou. O ar lhe faltava para articular as palavras (e tanto que
ela gostava de cantar!). E eu também não lhe falei que o Nelson Gonçalves havia
morrido.
Por
aqueles dias (como hoje, véspera do Dia das Mães), eu quis fugir, me perder no
mar sem fim e chorar escondido. Mas no14 de maio, dia do meu aniversário, tive
que ser forte. Não escapei ao último encontro com a bela normalista que, certa
vez, se apaixonou por um seringueiro bruto. Comemos o bolo de caixinha que a
minha irmã fez e cantamos um parabéns austero, como num ritual de despedida,
até que ao final da tarde a luz que vestia de azul e branco o olhar da minha
amada mãe foi se apagando...
No
dia seguinte, o sorriso franco era apenas uma lembrança de uma canção ausente,
e minha mãe, para o meu total desespero, descansava serena, para sempre em paz,
em meus braços.
Lindo e emocionante!
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