Cai-cai da estrela
Não
tinha aqueles sonhos que parecia que a gente estava caindo? Mamãe dizia que era
porque a gente estava crescendo. Com metro e pouquinho de altura, conclui-se
que... sonhei muito pouco.
Se
não caí tanto nos sonhos, na vida real eu sou o próprio cai-cai da estrela.
(nota para os mais novos: Brinquedos Estrela. Era uma indústria poderosíssima
de brinquedos que dominava o ramo, no Brasil. A petizada se encantava com os
lançamentos da Estrela a cada temporada. Uma outra galerinha tirava onda. Como
o marketing sempre agregava o nome da empresa ao produto, em conjugações do
tipo ‘o pula-pula da estrela’ ou o ‘bate-bate da estrela’, a molecada logo
taxava aquele moleque meio azuruote que do nada, vivia caindo, fosse na
bola,fosse nas brincadeiras de pira, fosse no simples caminhar pelos canteiros
da Pedreira, de ‘cai-cai da estrela’. O meu caso).
Éraste,
eu era campeão. Os meus estatelamentos mais comuns são aqueles de perda de
chão. Acho que é porque sou pequenininho. Foi não foi, há aquela distância
cruel entre a intenção e o gesto da pisada e tibei-te, lá vou eu ao chão.
(A
mais extraordinária das quedas e aquela da qual emergi ileso e não bati o pacau
por força de um milagre, ocorreu na Vila dos Cabanos por causa, ora, por causa
de dóceis patinhos. Acontece que minha vizinha tinha uma criação que era um
mimo. Uma noite de sobras em casa, raspei a panela e fui ao quintal fazer uma
pré para os amarelinhos. Deixa estar que o quintal estava escuro e na ânsia de
alcançar a cerca que dividia nossos quintais, nem dei que o alpendre era bem
alto. Um passo em falso e desabei eu e a panela de petiscos. Até hoje penso que
ouvi risinhos patéticos do outro lado da cerca, deixa eles. A queda foi feia,
de alto risco. Um anjo me amparou e eu levantei sofrendo apenas de susto).
Ao
pegado das quedas por perda de chão, vem o desaprumo por tropeção (ou tropicão,
como dizem os mineiros bãos). Este é mais paid’égua. Não comporta tanto risco,
e se destaca como um deslizamento algo cômico, algo trágico.
(Na
minha passagem por Altamira, trabalhando com Geologia, experimentei longas
caminhadas em mata fechada. Era o meu calvário. Eu me enganchava nas raízes,
nos cipós, em troncos atravessados no meio do caminho e era tibei-te que não
acabava mais. No início, os pequenos da minha equipe preocupavam-se, me
acudiam, levavam a minha boroca pra reduzir os enganchos. Mas eu era pateta por
demais. Não estava acostumado. Um piado ao largo, um ronronar longe, eu pensava
que era uma fera da floresta prestes a nos devorar, desviava a atenção no
caminho e enchinava chega fazia um rastro na floresta. Por fim a equipe me
largou de mão e esperou que eu por mim, reagisse, que eu tomasse tento. Sei que
riam risinhos a cada pouso forçado, mas sabiam que era uma queda doce. A floresta
não machuca).
Pelo
que se torna e pelo que se deixa, essa marmotagem de cai-cai da estrela me
certifica como um homem normal, que se submete a uma lei formulada por Newton. Não
sofro por isso. O que me enfeza é saber que tem gente que não se submete à lei nenhuma
e só cai pra cima. Só cai pra cima.
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