O Radinho, o Raimelo
Este
ano, participei de uma edição comemorativa alusiva aos trinta anos de fundação
da Rádio Cultura do Pará. Uma coletânea onde os autores foram provocados a
criar textos que falassem do rádio. Para mim, nada mais estimulante: o rádio
sempre esteve presente no meu dia-a-dia desde o tempo do Raimelo.
E
talvez esta do Xapuri, seja a lembrança mais distal que eu tenha da presença do
rádio na minha vida. Era uma propagação restrita, daquelas de poste. Cobria a
beirada do rio Acre do extremo da igreja matriz até a sorveteria Sibéria, no
final da praça. O nome da estação, deduzo agora, refletia a aglutinação de
‘Raimundo Melo’, o proprietário do transmissor. Quando meu pai deixava as ruas
de seringa e nos dava a conhecer as ruas da cidade, folgávamos a valer, nas
tardes de domingo, nós, os pequenos acreaninhos, nos lambuzando com o mel
geladinho dos picolés e apreciando lá de cima, dos alto-falantes do Raimelo, o
Wanderley Cardoso revelar para todo mundo ali da beirada do rio que “você não é
doce de coco, mas enjoei de você”.
Quando
chegamos a Belém angariamos bens que iam pouco além de duas ou três redes. E um
rádio. E era sagrado, o amanhecer para a luta, sintonizado nas lambadas, na
guitarrada, no merengue, no bater de panelas “alô dona Maria, passarinho que
não deve nada pra ninguém já está de pé, vamos acordar!”. Minha mãe ajeitava o
radinho sobre a pernamanca que atracava a janela, e o dia se definia ali. Coava
o café, areava uma panela no jirau com areia e limão, passava uma vassoura
rápida na cozinha, separava uma boneca de anil para o molho das roupas, dava as
benças, as recomendações e ganhávamos o rumo das lidas. Antes, rodava aquela
rosquinha de plástico até um clique desligar o radinho e reservá-lo para mais
tarde.
E
foram tantas as interações: as várias entonações para o ‘boa tarde’, no
programa do Kzan Lourenço; a sorte na roleta para ‘responder’ou ‘perguntar’,
nas manhãs do Costa Filho. A alegria matinal de Gilberto Martins, a polêmica
vespertina favorita do ‘combatido, porém, jamais vencido’ Eloy Santos; as
denúncias do Paulo Ronaldo, as mentiras do Braguinha Oséas Silva, o vozeirão de
consciência pesada do José Guilherme, a secretária Iracema, as esquetes de A
Patrulha da Cidade ao sol do meio dia. Os reclames dos empórios, dos
armarinhos, das distribuidoras de secos, molhados e estivas em geral.
Estamos
emboletados há anos, eu e meu radinho. Não nos desatarrachamos. Acho que é por
causa da influência do lar... das marcas que ficaram...
Inesquecíveis
também as noites de blecaute na cidade, quando a luz que se tinha era a dos
pirilampos que aqui, ali, luziam sobre o capim da rua. Saíamos todos para a
porta, o radinho na mesa de centro. Aprendi canções belíssimas com a mamãe,
ouvindo a seleção musical de Joel Pereira. Ou por outra, atávamos as redes na
sala e sem luz nenhuma, acompanhávamos Emilinha “assim se passaram dez anos”,
enquanto encontrávamos as mãos para somarmos força nos embalos para o futuro.
Inesquecível
a sorveteria Sibéria às margens do rio Acre... O Wanderley Cardoso, o
Raimelo... Mamãe.
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