A casa ao lado
Havia
um calor dissimulado, amenizado pelo salpico de talco no pescoço e por um
comportamento liminarmente imposto: da feita que me empoava, mamãe sentenciava,
não podia me abalar para nada, suar, podia suar apenas aquele pouquinho, inevitável,
na caminhada cadenciada pela Barão do Triunfo, procurando aqui, ali, a sombra
das pequenas árvores alinhadas no meio da rua.
Era
um menino das brenhas do seringal. Tinha uma vaga do governo numa escola particular.
Nada da cidade dominava, a não ser aquele traçado inalterável que me levava até
a igreja de Aparecida. Mas, nos primeiros dias, independência, isso não
significava. Nunca ia sozinho. Minha tia, no caminho para o trabalho, sempre ia
comigo. Era aconselhável acompanhar as crianças, principalmente naquele período
calorento, silencioso e solitário da uma da tarde.
Antes
de bater a campa, a turma formava uma fila protegida do sol por uma mureta que
limitava o acesso à sacristia pelo lado da Barão. Era meu momento de interação
com os meninos da cidade. As primeiras e importantes informações, aquelas que a
família não sabe passar. Aquelas, que só a molecada domina e entende e com
jeito e manha, partilha.
A
escola que funcionava na Aparecida era da Igreja. Tinha um público distribuído
pelas famílias tradicionais do bairro. Junto com o Josino Viana fazia a vez no
ensino básico. Entrei lá na Alfabetização, fiz a Primeira, no meio do ano
passei para a Primeira Adiantada, e fui me aviando de lápis e caderno na mão,
até o final do curso primário. Na Aparecida, foram criadas as minhas bases de
vivência, de percepção. A realidade foi se construindo sobre meus pés apertados
dentro do Vulcabrás. Era uma escola que tinha merenda, cantigas para cada
coisa: para a hora de merendar, para receber visitas, para homenagear os
mestres. Lá, a gente até tomava a bença das professoras. Havia um enlace íntimo
entre a pedagogia da Aparecida e o entorno pedreirense. A maioria dos pais que
deixava os filhos na porta da escola, também frequentava a missa aos domingos.
E muitos se conheciam. Eram parentes, amigos de porta.
Mas
naqueles primeiros dias, eu era apenas um imigrante do Acre. Fazia a caminhada
empoado, me comportava, reconhecia na cartilha o enredo de que Ivo viu a uva e
tinha vergonha da minha casa.
Na
volta, quem me trazia da escola era a mãe de um amiguinho que morava lá pras
bandas da Passagem do Arame. Morávamos com minha avó numa vila construída com
enchimento de barro e que em muitos pontos apresentava vastas áreas
descobertas, exibindo apenas o esqueleto de finas estacas farpadas na fachada.
Me sentia embaraçado para mostrar que morava naquela casa velha de enchimento
quase sem enchimento. Parava na casa de alvenaria, ao lado, e com tal folga que
parecia que morava ali. A mãe do meu amigo me deixava na calçada, eu me
debruçava sobre o muro baixo e dizia algo leve como vou ficar aqui, apreciando
o movimento, depois eu entro. E só quando os dois desapareciam além da Lomas é
que eu me adiantava para minha casa de barro. Atormentado por aquele
acanhamento besta.
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