Alinhado no prumo
Sou
dado a curiosidades bestas e inquietudes vulgares. Isto dito reiteradamente, por
aqui, já é causo retinto das nossas prosas. Me bato com cada coisa. Cada
presepada, cada invencionice. Olha que quando cismo de viajar nas idéias, viajo
pacas. Nem vai longe o tempo em que amanhecia os dias e varava as noites
querendo entender o que seria a horizontal. Sim, esta linha inspirada logo ali
na frente, na beira do fim do mundo; traço que define a planura do solo que
pisamos. Me peguei com tudo quanto foi teoria ou impressão e não deu em nada.
Meu cocuruto não conseguiu intuir nem conceituar. Mas não abandonei a barca
não. Depois de tanto penar, tanto bolar pelos leitos irregulares das
incertezas, cheguei ao segredo horizontal pelo caminho mais reto e seguro. Vi o
pedreiro tirando o prumo na parede aqui de casa e deu aquele tóim óim óim no
meu imaginar. A vertical do pedreiro é uma direção. E é a direção mais certa,
imutável, irrevogável. O pesinho aponta sempre para o centro da terra, formando
um alinhamento sagrado e se a parede sai torta, por certo, o obreiro sentou
tijolo numa segunda-feira braba de ressaca, porque, culpa do prumo não foi não.
O prumo não falha.
Além
do alívio, do conforto no espírito e da leveza no trato, a descoberta de que a
horizontal é uma direção tirada em quina de 90 graus do fio de prumo, mudou
minha vida.
Ou
melhor, não mudou, ratificou uma certa retidão que tinha no meu ser e no meu
estar. Me reconheci e me assumi como um ser invariável. Ortodoxo e
orto-operandi. Posso citar vários exemplos dessa minha tendência a fio de
prumo. Uma que é bater e cravar: Uso sempre a mesma roupa. Tenho foto. Aos
domingos, um grupo de escritores se encontra na barraca do Escritor Paraense,
na praça da República. Lá pelas tantas a gente se junta para um registro. E não
é que um dia desses, repassando as fotos em domingos diferentes, reparei que eu
estava com o mesmo look. O testemunho era contundente. Não que fosse
intencional. Não. É aquela minha retidão, minha cômoda invariabilidade. Só vou
na certa. O mesmo conjuntinho camisa-bermuda-chinelinho. Repetidinho, mas
limpinho.
No
tempo das locadoras de filmes, era batata. Não experimentava. Alugava toda vez,
os mesmos filmes. Blade Runner... aquele do Brad Pitt que ele tenta porque
tenta escalar o monte Nanga Parbat, no Himalaia... Os meninos, em casa, haja
reclamar.
Umas
das minhas mais singulares fixações é o apequenamento, a análise fina, a
repartição de um todo. É só eu pegar um papel para esboçar um texto ou um
riscado que já vou dobrando, reduzindo as faces. Um papel A4 rapidola se
encolhe em minhas mãos. Sobre uma superfície mais limitada, mais domável, me
sinto seguro, concentrado e assim, mais à vontade ao riscado. Boa parte das
crônicas que escrevi à mão, antes de ter um computador, foi escrita neste
abrigo liliputiano, em terra pequena, nas entre-margens mirins.
O
fio de prumo me alinhou de tal forma que toda vezinha que de punho escrevo a
palavra atenção, mesmo sem atenção alguma, escrevo todinha a palavra, só depois
é que volto e ponho o cedilha.
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