sábado, 14 de novembro de 2015

crônica da semana -alinhado no prumo

Alinhado no prumo
Sou dado a curiosidades bestas e inquietudes vulgares. Isto dito reiteradamente, por aqui, já é causo retinto das nossas prosas. Me bato com cada coisa. Cada presepada, cada invencionice. Olha que quando cismo de viajar nas idéias, viajo pacas. Nem vai longe o tempo em que amanhecia os dias e varava as noites querendo entender o que seria a horizontal. Sim, esta linha inspirada logo ali na frente, na beira do fim do mundo; traço que define a planura do solo que pisamos. Me peguei com tudo quanto foi teoria ou impressão e não deu em nada. Meu cocuruto não conseguiu intuir nem conceituar. Mas não abandonei a barca não. Depois de tanto penar, tanto bolar pelos leitos irregulares das incertezas, cheguei ao segredo horizontal pelo caminho mais reto e seguro. Vi o pedreiro tirando o prumo na parede aqui de casa e deu aquele tóim óim óim no meu imaginar. A vertical do pedreiro é uma direção. E é a direção mais certa, imutável, irrevogável. O pesinho aponta sempre para o centro da terra, formando um alinhamento sagrado e se a parede sai torta, por certo, o obreiro sentou tijolo numa segunda-feira braba de ressaca, porque, culpa do prumo não foi não. O prumo não falha.
Além do alívio, do conforto no espírito e da leveza no trato, a descoberta de que a horizontal é uma direção tirada em quina de 90 graus do fio de prumo, mudou minha vida.
Ou melhor, não mudou, ratificou uma certa retidão que tinha no meu ser e no meu estar. Me reconheci e me assumi como um ser invariável. Ortodoxo e orto-operandi. Posso citar vários exemplos dessa minha tendência a fio de prumo. Uma que é bater e cravar: Uso sempre a mesma roupa. Tenho foto. Aos domingos, um grupo de escritores se encontra na barraca do Escritor Paraense, na praça da República. Lá pelas tantas a gente se junta para um registro. E não é que um dia desses, repassando as fotos em domingos diferentes, reparei que eu estava com o mesmo look. O testemunho era contundente. Não que fosse intencional. Não. É aquela minha retidão, minha cômoda invariabilidade. Só vou na certa. O mesmo conjuntinho camisa-bermuda-chinelinho. Repetidinho, mas limpinho.
No tempo das locadoras de filmes, era batata. Não experimentava. Alugava toda vez, os mesmos filmes. Blade Runner... aquele do Brad Pitt que ele tenta porque tenta escalar o monte Nanga Parbat, no Himalaia... Os meninos, em casa, haja reclamar.
Umas das minhas mais singulares fixações é o apequenamento, a análise fina, a repartição de um todo. É só eu pegar um papel para esboçar um texto ou um riscado que já vou dobrando, reduzindo as faces. Um papel A4 rapidola se encolhe em minhas mãos. Sobre uma superfície mais limitada, mais domável, me sinto seguro, concentrado e assim, mais à vontade ao riscado. Boa parte das crônicas que escrevi à mão, antes de ter um computador, foi escrita neste abrigo liliputiano, em terra pequena, nas entre-margens mirins.
O fio de prumo me alinhou de tal forma que toda vezinha que de punho escrevo a palavra atenção, mesmo sem atenção alguma, escrevo todinha a palavra, só depois é que volto e ponho o cedilha.


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