O tec tec ameaçador e a
providência
Pra
gente ver só como a providência divina acontece... Ainda tinha o tec tec dos
caranguejos.
Lá
em São Caetano, naquela situação de cidade apinhada de gente, sem lugar pra
dormir e o cansaço dando de dez a zero na gente, resolvemos nos ajeitar no
estirão de calçada que limitava o mercado da cidade ao Mojuim. A galera
namorava ali, fomos no embalo. Tivemos que tivemos nos assanhamentos, mas teve
uma hora que a momó nos venceu. Minha namorada enchinou de prima, envolvida num
lençol que a gente havia levado esperando noites melhores. Da mochila fez um
travesseiro e entregou-se a Morfeu. Eu procurei um jeito também, pegando uma
beiradinha do lençol e do travesseiro, mas não apaguei porque a cachorrada não
dava um tempo, numa algazarra assustadora. Vadiavam,vadiavam, dava uma hora,
sumiam na ladeira que levava ao furdunço do arraial. Nessa hora dava um alívio,
a cabeça pendia desfalecida e eu saía do ar...Só por um pouquinho, porque na
mesma dita hora que a cachorrada ia dar um rolé, uma tropa organizada de
caranguejos se animava vinda das profundezas do mangue e saía em marcha ritmada:
tec tec tec. Na minha cabeça, naquela antecâmara do sono em débil agonia, eu
imaginava um ataque feroz de alienígenas gigantes com suas patas serrilhadas
destroçando nosso lençol e nos dilacerando as partes em postas. Quando a vanguarda passou
daquele jeito, faceiro, de ladinho sobre o meu peito, dei um pulo lá longe, saí
enxotando tudo quanto era exoesqueleto que via pela frente e mandei aquele exército
infernal de crustáceos alienígenas para os quintos do mangue donde vieram. Aí,
uma breve paz amenizava meu sofrer. Brevíssima, posto que pareciam combinados.
Mal os caranguejos desapareciam na escuridão da lama, os cachorros voltavam com
latidos sádicos, intimidando, provocando, dando a dica que se eu vacilasse,
fariam xixi em cima da gente. E foi assim a noite toda. Ora, o tec tec dos
caranguejos, ora risco iminente do xixi
dos cachorros. Não preguei o olho.
Quando
os primeiros fogos anunciaram o início da procissão, lembrei que o Círio estava
na pauta. Chamei meu povo e nos juntamos ao cortejo, com fé, muito sono, e
decisão tomada de juntar os meninos: 2, 4,6, e voltar no primeiro ônibus para
Belém.
Aí
a providência operou. Não contamos dois passos e nem duas Ave Marias, demos de frente
com um amigo boa praça. Artista plástico, bem relacionado na barra. Quando
soube dos nossos infortúnios, desenrolou a parada num trisca de hora. Nos
retirou da procissão, nos apresentou como pessoas estimadíssimas aos donos da casa
onde se hospedava, e arrumou quarto, banho com água friínha de poço, café da
manhã, assento garantido na mesa mais tarde, para partilharmos (uma senhora
d’uma corvina) no almoço. Resgatamos as crianças e nos fizemos felizes no
aconchego daquele lar.
À
tarde, um passeio na maré vazante até a foz do Mojuim com o biri-suco regando o
dia, apagou as diferenças que tínhamos com aquela bebida. E nos fizemos felizes
no paraíso que é São Caetano de Odivelas, o tanto que pudemos.
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