Deliciosos e cocríssimos
Dia
desses simulei uma parada, um ‘estalta pai’ na lida diária e me vi aposentado
pelos anos e anos de contribuição previdenciária: short do Paysandu largão,
chinelo perdido pelos cantos da casa, zóio remelento de dormir a qualquer hora e,
nos momentos raros de vigília, me aviando para pôr em prática os conselhos dos
meus meninos, que pregam a busca do sustento só com a minha arte, mesmo que
seja vendendo meus cocríssimos e deliciosos livros de crônicas em vários
sabores, pelos ônibus da cidade. Se-nhores passageiros...
Apreciei
a idéia, não sem ressalvas.
Nesse
arremedo de futuro, só não me caiu bem a (in)cômoda rotina. A sina de ficar
mulambando dentro de casa, a perspectiva de quietude, a mansidão do ócio, penso
que causariam um impacto medonho ao meu processo de criação. Porque faz tempo,
que minha arte só se realiza na pressão. Em alta voltagem.
Houve
uma época que eu vivia eletrizado. Turbinado nas 24 horas do dia. Em mim
habitavam 3 eus. Um era operário, trabalhava de turno e isso incluía varar as
madrugadas no trampo. Um outro era estudante de Geologia, o que me impunha a
missão de amanhecer na Federal logo na batida da campa da primeira aula e
despencar de lá antes das 12 badaladas do dia, num tempo certinho de pegar o
barco para Barcarena e voltar ao trabalho. Um instante ou outro que varava em
casa, assumia o terceiro eu, este mesminho que agora vos escreve, e que limitava
na quarta-feira a conclusão (não necessariamente precedida de desenvolvimento
ou da introdução) de texto com 3.500 toques da crônica semanal. O tempo me era
franzino, pouquinho, e haja correria. Não dava vaga pra respirar, avalie para
inspirar, imagine para mergulhar no fundo de um dos eus e buscar a medida clássica
e a boa prosa. Mas, sabe, escrever para mim acaba sendo um exercício de vida,
um alimento. É empreita sem a qual não vivo. E ia arrumando motivação,
assuntos, temas. Se não achava enredo no dia-a-dia, como convém a um bom
cronista, catava na memória, se lá não havia, inventava. Dava a letra da minha
arte na velocidade da luz, mas com prazer.
Até
que desacelerei. A energia demandada era tão grande que tomei um choque.
Cheguei a passar quase 36 horas sem dormir aceitando o ciclo trabalho/Geologia/crônica
da semana sem retoques.
Abandonei
a Federal, mas cuidei pra não ficar mulambando. Canalizei forças para dar mais
qualidade ao meu ofício de operário, passei a ler mais e dei de viver mais
minha cidade (mesmo que somente nos finais de semana, mas procurando ser
intenso nesta relação). Hoje dois dos meus eus tentam o equilíbrio e assim
mesmo, imponho regras, prazos. Supro um blog de literatura, escrevo pra
encomendas, faço um isso pra alguém, um aquilo pra outrem, sou caxias no
trampo. Ou seja, apenas diminuí a pressão, mas ela está na minha cola: toda
quarta-feira o tempo urge.
Simulei
um ‘estalta pai’ por esses dias. Não me apraz a sina de ficar mulambando, mas a
idéia viver da minha arte com meus cocríssimos e deliciosos livros de crônicas,
apreciei. Se-nhores passageiros...
Simples assim? Você escreve como quem toma um suco de manga. Manga encontrada pelas esquinas da Pedreira.
ResponderExcluirA arte de escrever tem disso personificar o que lemos e ao ler o que escreve consigo lhe ver em estalta pai.
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