sábado, 22 de agosto de 2015

crônica da semana -cocríssimos

Deliciosos e cocríssimos
Dia desses simulei uma parada, um ‘estalta pai’ na lida diária e me vi aposentado pelos anos e anos de contribuição previdenciária: short do Paysandu largão, chinelo perdido pelos cantos da casa, zóio remelento de dormir a qualquer hora e, nos momentos raros de vigília, me aviando para pôr em prática os conselhos dos meus meninos, que pregam a busca do sustento só com a minha arte, mesmo que seja vendendo meus cocríssimos e deliciosos livros de crônicas em vários sabores, pelos ônibus da cidade. Se-nhores passageiros...
Apreciei a idéia, não sem ressalvas.
Nesse arremedo de futuro, só não me caiu bem a (in)cômoda rotina. A sina de ficar mulambando dentro de casa, a perspectiva de quietude, a mansidão do ócio, penso que causariam um impacto medonho ao meu processo de criação. Porque faz tempo, que minha arte só se realiza na pressão. Em alta voltagem.
Houve uma época que eu vivia eletrizado. Turbinado nas 24 horas do dia. Em mim habitavam 3 eus. Um era operário, trabalhava de turno e isso incluía varar as madrugadas no trampo. Um outro era estudante de Geologia, o que me impunha a missão de amanhecer na Federal logo na batida da campa da primeira aula e despencar de lá antes das 12 badaladas do dia, num tempo certinho de pegar o barco para Barcarena e voltar ao trabalho. Um instante ou outro que varava em casa, assumia o terceiro eu, este mesminho que agora vos escreve, e que limitava na quarta-feira a conclusão (não necessariamente precedida de desenvolvimento ou da introdução) de texto com 3.500 toques da crônica semanal. O tempo me era franzino, pouquinho, e haja correria. Não dava vaga pra respirar, avalie para inspirar, imagine para mergulhar no fundo de um dos eus e buscar a medida clássica e a boa prosa. Mas, sabe, escrever para mim acaba sendo um exercício de vida, um alimento. É empreita sem a qual não vivo. E ia arrumando motivação, assuntos, temas. Se não achava enredo no dia-a-dia, como convém a um bom cronista, catava na memória, se lá não havia, inventava. Dava a letra da minha arte na velocidade da luz, mas com prazer.
Até que desacelerei. A energia demandada era tão grande que tomei um choque. Cheguei a passar quase 36 horas sem dormir aceitando o ciclo trabalho/Geologia/crônica da semana sem retoques.
Abandonei a Federal, mas cuidei pra não ficar mulambando. Canalizei forças para dar mais qualidade ao meu ofício de operário, passei a ler mais e dei de viver mais minha cidade (mesmo que somente nos finais de semana, mas procurando ser intenso nesta relação). Hoje dois dos meus eus tentam o equilíbrio e assim mesmo, imponho regras, prazos. Supro um blog de literatura, escrevo pra encomendas, faço um isso pra alguém, um aquilo pra outrem, sou caxias no trampo. Ou seja, apenas diminuí a pressão, mas ela está na minha cola: toda quarta-feira o tempo urge.
Simulei um ‘estalta pai’ por esses dias. Não me apraz a sina de ficar mulambando, mas a idéia viver da minha arte com meus cocríssimos e deliciosos livros de crônicas, apreciei. Se-nhores passageiros...


2 comentários:

  1. Simples assim? Você escreve como quem toma um suco de manga. Manga encontrada pelas esquinas da Pedreira.

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  2. A arte de escrever tem disso personificar o que lemos e ao ler o que escreve consigo lhe ver em estalta pai.

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