sábado, 8 de agosto de 2015

crônica da semana - pai velhinho

Pai velhinho
Sou meio bestão pra esse negócio de datas. Tantas vezes chorei no dia dos Pais, expressando um sentimento meio inexplicável, um pesar até mais profundo que saudade. Amanhã, não sei se vou. Sei que a perda do meu pai quando eu era ainda um bem bebê, produziu em mim uma busca, a princípio inconsciente, mas agora plenamente reconhecível, de ser um bom pai. Sei lá, funciona como um resgate, a recuperação de uma dívida atávica.
E, sem pavulagem, tenho pra mim que estou alcançando meu intento. Hoje, com meus filhos já taludos, identifico neles a nossa maior conquista: a liberdade. Estão aí para o mundo, desagrilhoados...
Um êxito não menos relevante, foi ter ensinado Argelzinho a fazer embaixadinhas. Orientava. Solta a perna, menino, assim, ó...(e com o cabedal que anos e anos no comando de ataque do Internacional da Mauriti me deu, fazia sem deixar cair e ainda provocava: conta aí, filhinho, 50 com os dois pés, só numa tirada).
E fomos experimentando um jeito até que ele soltou a perna e mandou bem.
Hoje, mesmo depois da lida do dia, com o cansaço ou o estresse da cidade me cutucando, na chegada em casa ainda pego a bola e provoco: conta aí, Argelzinho. Mas, a gente sabe, há uma fase na vida que a cabeça pensa uma coisa e o corpo faz outra; que a memória articula um movimento e a articulação do joelho diz não; que a barriguinhazona empastela o trabalho das pernas e a bola cai antes de 20 quiques. Não consigo mais. Desculpe, meu filho.
Uma bola dentro, comemoro da mesma forma, quando Amaranta, emergindo de um sumiço discreto, desponta exibindo a mais recente foto que fez do pôr do sol no Ver-o-Peso. Uma pintura, sem alarde, sem firulas ou indiscrições. Em algum momento sem que ninguém percebesse, concebeu a escala, enquadrou; simulou o degradée, focou; certificou-se da plástica, clicou. Quando age assim, distante dos floreios e circunlóquios, sempre faz boas fotos. E eu me derreto em elogios. O retrato que minha filha faz da cara do mundo me induz compreender seu olhar criterioso como um recado da alma e a sua alma como a alma que também é minha (aquela que eu deixei num canto perdida e que ela, a cada clique, recupera um pouquinho).
É porque o tempo passa.
A minha revolução definha e os filhos agora é que procuram audácias e subversões. E eu que me achava o bambambam, vou me embrenhando num conservadorismo besta, negando meus simpáticos ridículos. Tenho ouvido amiúde que papai não é mais o mesmo (tem vergonha até de dançar carimbó lá no batuque de São Brás, agora, dizque). São verdades das quais não me esquivo. Exagero na ranzinzagem quando faço que faço pra barrar a saída dos meninos (e eles agora nem me convidam mais para as partes porque sabem que vou dizer que a noite é perigosa, que a cidade é insegura e vou dar pra trás). Alheios a verborragia do chato, fazem seus programas argumentando que eu mesmo os ensinei a serem livres no mundo. E eu fico esperando inquieto, e eu que com eles carimbolava pela cidade, agora passo a noite em casa contando as horas. Acho que tô ficando um pai velhinho.


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