sábado, 31 de janeiro de 2015

crônica da semana - crisado

Crisado na missão
Tradução: a pessoa tá no aperreio. Precisa resolver a parada, mas tem dificuldades, entra em crise, afoguea-se e o momento ali, pedindo resposta.
Aprendi esta expressão lá na praça da República com umas parças do teatro. Achei interessante. Reflete o instante mesmo que escrevo esta crônica. Tô me sentindo crisado na missão.
É que há anos, durante o mês de aniversário de Belém, dedico este meu espaço à cidade. Faço dengos, recito afetos, dedilho prosas suaves. Mas todo floreado às vezes poético, muitas vezes ufanista e sempre passional, no final do mês se esvai. A última crônica do mês de janeiro dá passagem à crítica, à percepção nua e crua, ao retrato sem maquiagem de Belém.
Não é por causa das cobranças que recebo dizendo que só falo bem da cidade e coisa e loisa, e olha que recebo! Não é por isso que vou descer o malho agora, não. Digamos que é uma contribuição ao coletivo. Penso que tenho, também de ceder às pendengas e expressar meu descontentamento com aquilo que nos machuca, com as mazelas que baqueiam nossa Belém. Não é fácil para mim que a quero tão bem, não, daí a crise. Mas vá lá que seja, olha o trânsito. É o pri de todas as nossas dores diárias.
É o retrato do inferno (não, ainda não estou falando do calor de Belém). E olha que nem tô triscando no tal do BRT, mesmo porque temos que ir muito além do BRT para tornarmos esta cidade mais transitável. As atitudes, a gentilezas, a civilidade...Nos faltam. Há uma saga diária minando das ruas de Belém. Dia desses, quando ia pro trabalho, de manhãzinha. Bem cedinho, antes das seis. O sol nem havia saído. Ruas e avenidas sem movimento. Um carro aqui, outro ali. Não é que dois motoristas de ônibus resolveram se estranhar. Forçavam ultrapassagem, faziam zangas, provocações. Emparelharam os retrovisores, pararam os carros e saíram no braço. Meu pai eterno, e nada, absolutamente nada inspirava aquela selvageria. Os pássaros ainda saudavam a manhã com um canto alegre e renovador quando os dois se emboletaram no asfalto. Imaginei esses camaradas ao sol do meio-dia no gargalo do Entroncamento e com a trilha sonora do buzinaço azucrinando o cocuruto. Por certo virariam aço, ferro, fogo, subiriam como vapor ácido para o infinito dos espaços, se desintegrariam fulos da vida, antes mesmo de se trançarem no pau. Desatino total vivemos pelas ruas de Belém. Faixa de pedestre é traço insignificante no riscado dos cruzamentos. Ciclovia é entrave. Transporte público com acessibilidade, quando aparece algum veículo, vem sem a dose de humanidade necessária para operar os equipamentos.
Nessa linha da urbanidade, Belém sofre com a ausência de um planejamento interativo. A cidade é cheia de vazios. É desconectada culturalmente, economicamente. Precisa urgentemente de uma linearidade nos direitos. De uma melhor distribuição de serviços e atenção. Sustentamos a exclusão. Áreas como o Acampamento eternizam-se como um condado, como um enclave autônomo e longe, embora perto. Consolida-se a marginal do Galo como um recanto, não por querer, bucólico, apartado do asfalto, há décadas, pelo inexplorado igarapé.
Modos algo selvagens e jeitos um tanto arrogantes se alinham nesta trança geográfica-social. A cultura do barulho, apoiada pela política do pão e circo, se impõe como valor inabalável.
Reconheço que ter a cidadania como meta, dá uma trabalheira. É necessário apego à causa. E lideranças que coloquem a educação em primeiro plano. A gente tem que preencher os vazios vexatórios, com escolas. Formar novas mentes. Criar novos corações para amar Belém de verdade. Pronto, descrisei.


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