Bom dia, Belém
Não é uma inveja
daquelas de secar pimenteira. Nem um recalque ou falta. Diria que é uma
apreciação dolosa, um amor pecaminoso. Uma teia de vontades não alcançadas e,
vá lá que seja, uma invejinha doce. Uma cobiça tremelicante, bamba. Lesinha.
Leseira minha.
O que surpreendo
queimando impuro e ácido dentro de mim é um sentimento de apreensão ilícita, de
busca clandestina, de repartimento proibido. Uma sensação de posse indevida.
Cleptomania poética. Roubo lírico. Sofro um sofrimento brando, de mentirinha. Me
recolho a cobranças sem sentido, invento uns ‘faz de conta’, uns ‘pra dizer’.
Dizque, sou poeta dos arrabaldes. Faz de conta que rimo rimas ricas. Pra dizer,
sou o bardo da cidade. Enamorado. Entontecido. Bêbado pagão. Elaboro hipóteses
e sugestões. Edifico críticas ferozes, íntimas, me martirizo, me penitencio, por
não ter criado versos da envergadura daqueles que embelezam canções eternas como
“Bom dia, Belém”.
Há um quê de
verdade nestas palavras. É só ouvir esta canção que penso: “caramba, como
gostaria de ter traçado linhas tão carinhosas para Belém”. Depois, me consolo
na minha pequenez e me quedo a admirar o testemunho poético de Adalcinda
Camarão, o credo melódico de Edyr Proença. Sublime conjunção de amores.
Entrelaçada sublimação de afeto por nossa cidade.
Há muito, que
aqui no meu peito esta canção me faz parar tudo. Eu posso estar na maior
pressão. Na liga total das lidas ou do ócio. No alvoroço urbano descabido de
pressas e compromissos. Mas quando ouço os primeiros versos de “Bom dia,
Belém”, fico ‘estalta’. Tesinho da silva. Mergulho num transe agradável.
Congelo num barato colorido e doce. E olha que viajo. Revivo prazeres, que nem
na música: Reinvento saudades, recrio cenários, revisito paixões, desvendo
quintais, me entrego a ruídos antigos, a saudades boas. Toda a construção desta
canção me arrebata: do trinado dos acordes mais suaves ao recitado dos versos
livres mais profundos.
Belém tem
respondido com muito carinho a esta canção. Já foi gravada pelas nossas mais
reluzentes estrelas. Tem vaga garantida no setlist do ano todo. Por um motivo
ou por outro. Toca pelo Círio, no regresso das gentes nossas; pelas férias de
julho exaltando pontos atraentes da terrinha; entra nos circuitos de shows
domésticos...Mas é por agora, pelo aniversário da cidade, que ela estoura
mesmo. Faz as honras e as comemorações, e eu por mim acho que ela se faz em
homenagem e ao mesmo tempo em homenageada (sempre que a ouço, a reverencio,
como se ela fosse uma outra Belém. Uma Belém imaterial. A minha cidade musical.
Meu lar ideal. Minha ilha de sons e poesia cercada de líquidas lembranças por
todos os lados).
Janeiro é um mês
que olhamos com algum apuro, algum zelo, para Belém. Há um movimento coletivo
em busca de nos reconhecermos na cidade. Trazemos signos para suportar nossas
intenções. A música faz parte dessa simbologia. “Bom dia, Belém” complementa
esta amálgama sentimental necessária para realizar o encontro de Belém com seu
povo. Penso que funciona com o mesmo apelo de um hino porque é canção terra,
canção céu, canção rio, canção chão. É Belém coração.
“Bom dia, Belém”
tem uma força indefinível, daquelas que não mensuramos ou imaginamos. Sou
fascinado por esta canção pelas razões estéticas, pela motivação pura da arte e
porque ela é uma belezura mesmo, perfeita união entre letra e música. Mas tenho
uma queda irrefreável por esta música porque hoje estou aqui, de par com ela às
margens da Guajará. Mas já estive longe, muito longe. E senti, no meu transe, meu
peito murmurar saudade, lá do longe muito longe.
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