Ver-rugas
Sei que a história se deu mais ou menos assim:
Estudavam os dois no convênio. Toparam-se na hora da merenda e Argelzinho, meu
filho, atleta da escola, usava uma camisa do time de basquete com o nome dele
gravado nas costas. Eram de turmas diferentes e se conheciam assim, do recreio.
Curiosa, não se conteve e perguntou se aquele sobrenome que ele ostentava na camisa tinha alguma coisa a
ver com o tal cronista d’O Liberal de sábado.
Ele confirmou. “É meu papai”.
Não me aprofundei sobre a questão, mas penso cá comigo
que a partir daquele dia, ficaram mais próximos. Ela deve ter comentado algo
lembrando uma pastinha que tinha com uns recortes, uma ou outra passagem de um
texto que marcou e depois trançaram-se em missões objetivas na busca da elaboração
do jornal deles, o Circulando.
Mais um tempo e ela surgiu na minha vida.
Argelzinho, que é coordenador geral e irrestrito do
Sarau do Quintal, divertição lítero-etílico-musical, que realizamos aqui em
casa, certa ocasião chegou anunciando uma atração especial para nossa
reuniãozinha e adiantou o calibre dos convidados.
No dia do sarau, o quintal foi tomado por músicos dos
mais aquilatados. Era o grupo Chove Choro, que tinha na sua formação, olha
quem, Juliana, a amiga do Gegel, lá do convênio. Deram um show. Quando terminou
de tocar, fomos apresentados. Em meio às arrumações de fim de espetáculo, ela
se intitulou minha leitora e coisa e loisa e tal e coisa. Mas no meio daquele
movimento do sarau, da arrumação, dos cumprimentos aos demais integrantes do
grupo. Nem atinei direito pro fato.
Aí teve, teve, o tempo foi passando, eu fui percebendo
brilhos nela. Até que um dia ela me enviou uma carta escrita à mão. Aquelas
linhas me descobriram Juliana. Me revelaram o que era ela para mim. Juliana é
aquela pessoa que me levanta a bola, que me engrandece, e se não encontro o porquê
destas generosidades, digo que ela o faz porque ela sim, é imensamente grande. Não
sou nadica perto dela. De lá pra cá, Juliana que já se mostrara para mim
articulista de jornal, cavaquinista e amiga do Argelzinho, revelou-se poeta,
artista gráfica, artesã, ciclista cidadã, e pra completar-lhe as boas
propriedades, passou em Medicina e hoje faz tudo isso e ainda vislumbra ater-se
às mesmas missões de Esculápio. Se eu ainda não disse que, pelo apreço que ela
me tem, eu a considero um anjo, acrescente-se a esta assertiva, a possibilidade
d’ela me livrar de um infarto, um dia. Minha amiga
médica é meu alento, meu conforto.
O certo é que o bom Deus programou nosso encontro.
Somos parceiros em tantos sonhos, estamos juntos no meu último livro e hoje
inauguro nossa parceria também aqui na coluna. Senhoras e senhores, Juliana
Silva:
“Vou pedindo arrego, desassossego, pedindo divórcio,
pedindo demissão desse meu emprego. Vida-emprego essa. Cega, vejo um naufrágio
frágil, na rima pobre, nos dias gastos, na louça suja, nos pratos rachados, na
rotina comprida, esticada que nem esses teus olhos fundos, olhos fundos tão
quebrados e gastos quanto tanto, quanto tanto.
São essas luas que passam e pelas quais só passamos e nem sequer
olhamos, observamos, atentamos, escrevemos. A palavra já é gasta, o silêncio é
imperfeito, isso nem sequer percebemos, nos contemos. Temos saudade de um ócio
que não fez parte de nós ainda, máquinas, projetos artificiais dos pacotinhos,
das singularidades homogêneas, das porções únicas. Nossa vazão. Olhar pro céu e
hoje ver esse ócio estampado no Cruzeiro do Sul, uma das poucas constelações
que ainda sei reconhecer, tirei os dedos das estrelas, quem sabe mamãe não
estava certa...”.
Não é a toa q ela te admira tanto. Melhor cronista de Belém.
ResponderExcluirObrigada pelo carinho com a minha filhota.