Salvo
pelo gongo
Nos
últimos anos venho me acostumando, perigosamente, com os confortos da
tecnologia. Foi-não-foi me estiro na rede e fico pra lá e pra cá, de controle
na mão, selecionando, voltando tudo ao começo, adiantando para um final feliz,
dando uma câmera lenta (era assim que a gente chamava antes o tal de slow motion) naquela cena empolgante ou
naquela seqüência mais eletrizante. Perigoso esse lance de ficar refém das
comodidades que o DVD proporciona. Sinto muito, por esta minha pouca resistência,
porque o que eu dou valor mesmo é no escurinho do cinema.
Gosto
do clima, do ambiente climatizado, do som dolby stereo, do gigantismo das imagens e, é certo, desta
indisfarçável nostalgia que emana dos quatro cantos da sala escura.
Esta
minha inclinação para a sétima arte vem lá dos idos de oitenta e poucos quando
eu fazia de um tudo para entrar nas programações do Paraíso (ou numa alusão
mais historicamente justa ao espaço, do “Cine Paraíso”, aquele que ostentava ao
pé da telona a frase: “faça deste cinema o seu paraíso” e ao final dos dizeres
exibia uma pintura pré-renascentista de Eva fazendo malabaris com a maçã e
espezinhando a serpente). Desde lá, fico prestando reparo nos grandes atores,
nos diretores mais geniosos, nas atrizes mais versáteis.
Dessas
nuances da interpretação, acho o caráter
camaleônico dos atores, um valor dos mais impressionantes. Aquela interpretação
do Robert de Niro em
Touro Indomável é coisa para se perpetuar na história do
cinema (também com a direção draconiana do Scorcese, interpretar um lutador que
começa o filme como peso pena e termina como um obeso mal educado e desregrado
era a missão única de de Niro. Perfeito.
Perfeito). Para estes casos, o cinema tem reservado alguns insuperáveis
talentos. Para outros...
Acho
que o drama sobra para aqueles atores que têm que se superar. Para aqueles
atores que ficam marcados por um personagem e que dele, não conseguem se livrar
ou, se conseguem, demoram um tempão para apagar qualquer traço daquela
interpretação. É clássico o caso de Sean Connery, o eterno 007 e o mais
charmoso, aquele que mundeava qualquer vilã com aquele arrasador soerguimento
de sobrancelha. Connery superou o estigma de Bond e reapareceu pleno, íntegro
como o frei Guilherme de Baskerville em O Nome da Rosa, referendando uma brilhante
carreira.
Um
caso que merece destaque é o do ator Mickey Rourke. Ele arrasou nos anos 80.
Mas sempre em papéis extravagantes. Restaurou a rebeldia em “O selvagem da
motocicleta”, reinventou as funções do morango e do cubo de gelo em “9 e ½ semanas de amor” nas tórridas cenas
com a louríssima Kim Basinger e fez o
atormentado detetive Angel em “Coração satânico” (com brilhante direção de Alan Parker).
Acontece
que depois dessas estripulias todas, o pobre do Mickey Rourke se abalou pra
fazer o papel de São Francisco, em “Francesco”. Aí rolou aquela coisa do
estigma. Com aquele olhar pidão, com aquele cinismo e com aquele semblante
animal, como o ator iria resistir a um papel límpido, puro de santo. E o
diretor, muito amigo ainda inventou uma cena em que o pobre, tentado pela
carne, se purga com uma aplicação impiedosa de um chumaço de gelo sobre as
partes. Pronto, um pé pra reviver a história do gelinho com a Kim. Resultado. O
homi abandonou a profissão e se meteu no boxe.
Passou
um tempo sumido das telas. Soube que voltou agora com o filme "The Wrestler" e com a cara toda remendada de boxer, arrancou
aplausos no Festival de cinema de
Veneza. Dizem até que é sério candidato ao Oscar. É, podemos pensar que o Mickey
Rourke foi salvo pelo gongo.
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