Mariazinha
Outro
nome não tinha. Era só Mariazinha mesmo. Para a molecada, Dona Mariazinha.
Aquela que tudo conseguia.
Ao
menos três anos da minha vida, varei o Natal dentro da Escola Salesiana.
Fazíamos a missa do Galo, nos estendíamos com a nossa peça de Natal e quando a
gente dava fé, já era de madrugada. Uma passada rápida em casa, com a família.
Uma rabanada farinhada de açúcar, um brinde com a Cereser, descanso pouco e,
antes das oito, já estava de novo na Escola, para fazer o Natal dos
oratorianos.
A
pedagogia salesiana é pautada no lúdico. Para os discípulos de D. Bosco, uma
estratégia de atrair os jovens é a evangelização ligada à diversão. Num passeio
pela Escola, naqueles anos 80, a gente podia encontrar um enorme salão com
mesas apropriadas para dominó, ludo, dama, xadrez, varetas...estruturas mais
robustas para ping-pong, pebolim, jogo-de-botão. Na área livre, as peças
mecânicas de rodopiar, a andorinha, o currupio; De balançar, a gangorra, o
pula-pula. De descarregar as energias, o salesianíssimo spiribol. Mais para o
interior da Escola, as quadras de futsal, vôlei, basquete, o campo de futebol,
a piscina. Uma oferta vastíssima de recreação os garotos tinham ali, no
oratório, domingo. Com uma condição: antes de folgarem na planada, tinham que carimbar
a carteirinha na saída da missa. Ou seja, tinham que ouvir do início ao fim, a
pregação do padre Lourenço.
Aí que
Dona Mariazinha entrava. Um carimbo valia o ouro de Maria.
Deste o
primeiro dia útil do ano, Mariazinha se abalava pelo comércio, pelas grandes
casas de aviação, pelos empórios do centro, do entroncamento; pelos escaninhos
do poder, pelos grandes depósitos, pelas lobrases da vida, pedindo doações.
Tudo
que ela arrecadava durante o ano era arrumado no teatro da Escola no dia 24 de
dezembro. Nós fazíamos a distribuição, cuidando para conferirmos valores justos
a cada objeto disponível. E a natureza das doações variava de um super-mega-híper
brinquedo da Estrela a uma lata de carne de desfiar.
No dia
de Natal, era bonito de ver aquela ruma de coisas empilhadas pelos quatro
cantos do teatro a espera de um dono. Tudo obra de Dona Mariazinha.
Não
tive muito contato com ela. Poucas vezes a vi e não lembro se além de um ‘olá,
como vai’, entabulei alguma prosa com ela. Era uma pessoa comedida, de poucas
palavras. Tinha uma ligação fraternal fortíssima com o padre Lourenço. Assumia
um compromisso, uma parceria com a Escola. Não era de muito marketing. Dedicava-se
à ação. Durante o tempo que passei na Escola, Dona Mariazinha nunca faltou para
os meninos.
Cada carimbo
na carteirinha contava um ponto. Quantos mais pontos, maior a qualidade ou a
quantidade dos presentes. A fila era organizada de forma que os primeiros a
entrar serem os mais pontuados. A eles o direito de escolha. A gente orientava.
Sugeria um utilitário que valia mais pontos, era caro. Um liquidificador, por
exemplo, um rádio. Mas quando os moleques viam uma bola Dente-de-leite, uma
Kichute, um Pocobol, endoidavam, queriam levar toda a fortuna de pontos em brinquedos.
No geral, os arremates eram equilibrados, para os ricos em carimbos. A coisa
ficava pensa era do meio pro fim, quando começavam a entrar os menos
carimbados. Mas dava pra todo mundo. A missão de Dona Mariazinha era sempre
cumprida. Vi muitos garotos voltarem para casa sem brinquedos, só com uma lata
de Bordon e um pacote de macarrão número dois. Nada, nada era uma ‘intera’ para
o almoço de Natal, pensava eu, do lado de cá do portão do teatro, sem certeza
alguma sobre a minha felicidade natalina.
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