Cipó do Tarzan
O local de trabalho, via de regra, é aquele
ambiente frio, compenetrado. Há, porém, a variação, a conotação. Tanto do local
como da natureza do trabalho...
Entrávamos na picada, num plano já um tanto
varrido de tantas as vezes que a gente usava aquele caminho. Dali a alguns metros,
percebíamos uma pequena inclinação no terreno. Uma suave ribanceira delineava
um vale raso, que descia discreto para um leito seco e depois se erguia com a
mesma delicadeza, do outro lado. Exatamente na junção das duas margens, no
ponto mais fundo do vale, desenrolava-se um enorme cipó. Inteirado a um galho
portentoso, o cipó desvelava-se soberano na estreita clareira que se formava no
entorno da grande árvore. Pra quê! Era um pé para que a minha turma todinha, formada
por pais de família, trabalhadores sérios, conservadores, dedicasse alguns
momentos do dia para a prática libertária, de se balançar no cipó. Antes de
pegarmos de vera, no trampo, a parada para o recreio no cipó do Tarzan, como
assim o batizamos, em vôos alucinantes por sobre o talvegue, era lei.
O local de trabalho, via de regra é...Há,
porém, a conotação.
E às vezes, uma impressão sobre o nosso local
de trabalho, no lugar do gozo ou da curtição deixa gravada na memória um
presságio. Um aviso. Um risco iminente. Uma valência, um milagre. Ou o
destroçamento completo da fé estatística.
Contei, na minha lida, aproximadamente 1000
dias desbravando as matas que margeiam o Xingu. De incidentes, encontros
indesejáveis, conto com pouca prosa. Uma canoa alagada, um esbarrão com uma
onça mais medrosa que eu, um tropeção numa aranha braba. Um abraço de repente
num espinheiro rodeado de talinhos amarelos afiados. Uma surra de carrapatos. A
companhia indesejada de uma jararaca no punho da minha rede. Nada que me dê
deferências de aventureiro na qualidade, muito menos de quantidade. Os sustos,
se a gente for fazer um arme e efetue, espalhados pelos mil dias e poucos,
resultam numa relação muito das suas sem graça de 1 caso a cada 100 dias, isso,
já dando aquela exagerada. Digo, sem titubear, que o meião da selva amazônica é
cantinho bem mais seguro que algumas esquinas de Belém.
Mas estas mesmíssimas picadas por onde varava
todos os dias ao lado da Transamazônica e que logo na entrada nos recebiam com
a folga do cipó do Tarzan, me aprontaram uma que parecia duas. Subverteram a
probabilidade certa manhã.
Naquele dia, estava sem a minha equipe. Fazia
um trabalho de mapeamento, algo solitário. Um companheiro apenas ia comigo como
medida de segurança, e também, para trocar uma prosa, né. Demos uma balançada
rápida no cipó e sumimos no trecho. Nem bem esquentamos na caminhada, meu
ajudante deu o alerta. Bloqueou minha passagem por sobre um tronco caído, adiantou-se,
puxou o facão da cintura, revolveu a folhagem à frente, e de lá saiu com mais
de mil, uma teba duma cobra. Estava pronta pro bote. Acuada, fugiu. Cismei.
Àquela hora? Nem bem começávamos nossa jornada! Mas continuei. Antes das 9 da
manhã, já havíamos nos batido com mais duas cobras pelo caminho. E uma delas
era deste tamanhinho, gitita que mal dava pra perceber a pele vermelha
escamada. Meu acompanhante identificou: Surucucu de fogo. Veneno bastante pra
derrubar cavalo só no trisca.
O susto que acontecia a intervalos de cem
dias, aconteceu em menos de duas horas de trabalho. Em três exasperantes episódios.
Não contei conversa. Ressabiado, suspendi a atividade do dia, me dei folga e
voltei na mesma pisada para meu acampamento, não sem antes dar mais umas
balangadas no cipó, pra tirar a angústia do peito... Conotações do trabalho.
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