Na sombra do poste (Raimundo)
Até
acho que para um mês de setembro, está chovendo além do combinado em Belém, mas
isso não quer dizer um arremedo de clima de montanha, não. Bastam dois dias de
estiagem, na planície, que o calor vem naquela potência de aguar a laranjinha
que a gente compra no sinal, um instante após a giletada. A gente é que se
alivie num geladinho e se ajeite à sombra do poste pra se proteger dos raios
‘uvês’, porque se bobar, derrete junto.
É
coisa do momento. A folhinha do ano lembra que a fase é a mais pura tradução do
mormacento Verão Paraense, que ora viceja a pino, nesta onzena setembrina. O
que está claro de encandear os olhos é o calibre de um sol mais ardente e mais precocemente
presente. Sinal de que o Equinócio de Primavera se aproxima.
Tô
atento a esse estiramento da luminosidade. Está amanhecendo mais cedo. Não tem
nem um mês que, na saída para o trabalho, ainda estava tudo escuro e eu pude
acompanhar o encontro de Vênus e Júpiter, ali pras bandas da Bandeira Branca.
Sabia dos planetas porque vi na internet, o encontro foi alardeado, e foi
facinho localizá-los no céu por causa do brilho absurdamente possante dos dois.
No primeiro dia vi os dois juntinhos. No outro dia, Júpiter deixou Vênus para
trás e ganhou altura no céu. No terceiro dia, Vênus sumiu e deixou de ser a
Estrela da Manhã (vai reaparecer como Estrela Dalva no céu lá pra Novembro, só
que ao anoitecer. Não fiquemos tristes com a fulguração ausente. É uma questão
e tempo). Ali pelo quarto dia, no mesmo horário, não mais consegui perceber o
brilho de Júpiter nem de estrela alguma próxima. Com o passar dos dias, a luz
dos astros foi diminuindo, diminuindo, o clarão do dia foi tomando conta do
horizonte e agora, antes das seis horas, ali pra’queles lados do Utinga, o céu
já se compõe num cerzido harmonizado em amplos descaimentos de azul. A aurora
amazônica antecipa o clarão do dia e as estrelas cintilantes, e os planetas
brilhantes, pluft, apagaram-se, anularam-se ante o poder do sol.
Isso
tudo é muito organizadinho, muito certinho, é o produto das danças e
contradanças do universo. Eis então que agora em setembro o sol vai se postar
bem em cima da gente. Para esta região aqui na faixa do Equador, o resultado
disso vai se refletir nos amanheceres mais cedo, na maior intensidade do calor,
e na sombra do poste.
Tenho
acompanhado a sombra do poste ao longo do tempo. Na Pedro Miranda, bem ali na
parada onde ficava o antigo Shangrilá, em dezembro do ano passado, a galera se
escondia do sol formando uma cobrinha que se estendia no sentido da Escola
Salesiana, rés ao meio-fio. Em março, a sombra andou e se lançou no rumo da
parede, que se em outra época fosse, seria exatamente a porta de entrada do
Shangrilá, quer dizer, ficou perpendicular ao meio-fio. E a turma que espera o Pedreira
Lomas, acompanhando... Em junho, a bicha já tava do outro lado, se propagando no
sentido da feira da Pedreira. Agora em setembro, como se movida por uma libido
atávica, a sombra se aproxima novamente do traçado que iria (um dia) dar na
porta do Shangrilá. Este é o bailado do universo que a gente testemunha mais de
perto. Quantos segredos, quantas respostas, quantas deduções mentirosas este ir
e vir da sombra de um poste suscitou, quantos embaralhos fez na minha cabeça,
quantos por quês fez surgir... e quantas vezes perdi o ônibus pensando nessas
coisas sem sentido...de sombra, de sol e setembros e chãos e humores esturricados
e dias de calor, Raimundo; e quantas inquietações pelos vagares desimpedidos do
mundo? Raimundo, Raimundo, por favor, não derrete não!
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