Paludismo, Aralém e outros
ais
Fico
até meio aquele quando vejo algum anúncio solicitando doadores de sangue.
Imagino que se eu doar o meu, no outro dia a assistência tá apitando aqui na
porta de casa pra me levar pra UTI. Lá no laboratório quando virem boiando no
meu plasma, traços ainda animados das três malárias, uma dengue e uma hepatite,
os técnicos vão tomar o maior susto e vão querer mais que depressa me acudir. E
isso sem contar com o teor de Etanol que se mantém há anos, assustando
etilicamente, em taxas generosíssimas.
(Antes
de prosseguir discorrendo sobre o meu patrimônio nada modesto de ziquiziras,
pondero admitindo que o que nos faz resistir, o que nos leva a viver de vera,
gostar de não largar este mundo, criar anticorpos e pular fogueiras são as
descobertas, os aprendizados. Mesmo que nos cheguem atemporais, já na batida da
campa. Ainda que venham tardios, por conta de urgências outras, nos adiantam,
que só, ora, ora... Durante muitos anos conhecia o termo “impaludismo” como sinônimo
de malária. Só que, por esses dias, lendo o romance “Marajó” de Dalcídio
Jurandir, vi que ele se refere à doença, reduzindo o termo para “paludismo”.
Mirei, indaguei para mim mesmo sobre aquele jeito de escrever. Quedei-me,
porém, ao estilo. Vai ver que era do eu marajoara do Dalcídio, reduzir as
doenças. Dá-lhes um apelido subtraído de prefixo. Como se assim, sem o ‘im’, os
efeitos, as dores, os ais fossem amenizados. Pode ser. Mas, por cuidado, fui ao
dicionário e aprendi mais uma na vida. Certifiquei-me que podemos escrever das
duas formas. Faz tanto e dá no mesmo. Agarrei e pus no título lá em cima, do
mesmo jeitinho que está nas páginas de Marajó: paludismo).
No
início da década de 80, quando fui trabalhar em Ariquemes, já fui preparado. A
cidade era famosa por ter 100 mil habitantes e ter 300 mil casos de malária por
ano. Três malárias pra cada. Era a campeã mundial da doença. Já fui esperando
as minhas três. Mas olha como são as coisas: entrávamos para o campo no mesmo dia,
eu e o geólogo Roberto Matias. Atávamos nossa rede uma do lado da outra,
tínhamos a mesma rotina. E era tiro e queda: uma semana depois de acampado,
Roberto baixava pra cidade com malária e eu, ó, ficava no mato esbanjando
saúde. Contadas encarreiradas, meu companheiro só no tempo de Ariquemes, pegou
cinco malárias. Era só, atar a rede e pluft. Uma cruz de falciparum, meia de
vívax, uma mais rara, a malariae, todas maltratando. E ia pegando. Era pegador
meu amigo. Mas não era um caso único de multiplicação da maleita. Tenho amigos
próximos de mim, com mais de 20 malárias no curriculo.
Eu
aguentei uns dois anos zerado, sem pegar malária, nesta pisada de acampar pra
cá, acampar pra lá. E não é que quando me aquietei numa vila toda arrumadinha, morando
em casa telada foi que me arranjei com as minhas três. A primeira foi meia cruz
de falciparum. Fiquei apavorado. Após o tratamento me danei a tomar o chá de
melão de São Caetano em jejum, que era ruim pra dedéu, porque me disseram que
era bom pra sarar de vez. Mas quando! Não deu nem 20 dias, peguei a segunda.
Uma cruz de vívax. E foi logo no carnaval. O tratamento a gente fazia em Porto
Velho. Para os sintomas, Dipirona no glúteo, porque no braço não tem cristão
que aguente, soro, Aralém para manter as funções sem sobressaltos e Primaquina
ou Cloroquina, conforme a identidade do
Plasmodium. Quando peguei a segunda malária, era carnaval. Tinha uma namorada e
ela brincou o carnaval sozinha. A terceira malária...Ah, a terceira malária doeu
menos que a dor da saudade (e para esta dor, não teve Aralém que desse jeito).
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