Quentão é bom gelado
Que
me perdoem os puristas, mas não pude perder a piada. Esta máxima foi disparada
pelo meu compadre Quelemém quando lhe falei que em Rondônia, experimentei o
quentão, uma bebida que faz a lágrima descer avexada do’zói da gente, de forte
e quente que é.
Para
nós aqui de Belém é uma bebida rara, diria até desconhecida, mas tem seu termo
a vacância: o nosso clima de junho não tem nem por onde aceitar uma bebida
tinindo de quente como ela é. Mas lá em Rondônia não. Por lá, ocorre um
friozinho de vera. Dá de fazer até 8 graus, nos dias mais anuviados.
Aí,
sim, naquela temperatura baixinha de bater o queixo, e de secar o beiço, um
quentão, ó, é de fé...
Dei
uma talagada na bebida, fui à lua e voltei azuruotinho, chorei sem sentir dor,
me fiz de macho e retornei à ação. Discerni a minha pequena entre as duas
gêmeas, me convenci que estava tudo bem e saí a passear pelo arraial Flor do
Maracujá, junto com minha patota, num Junho friento, de Porto Velho. Eita
quentão brabo da peste! Mas eu aguentei. Varei inteiro da experiência.
O
arraial era montado em praça pública. Fazia parte da programação junina da
cidade. Tinha de um tudo. Barraquinhas com comidas típicas, o quentão...jogos
de argola, tiro ao alvo, um parquinho montado, quadrilhas e arrasta-pés. A
animação tomou conta da turma e logo surgiu a idéia de outra rodada da cachaça
quente. Aí eu dei o pinote, agarrei minha gêmea, saí pela direita e fomos dar
uma volta na roda gigante.
Na
vida toda que Deus tinha me dado até aquele instante, eu nunca havia me abalado
a andar na roda gigante, era a primeira vez. Turbinado pelo quentão, tomei
coragem e subi na bichona, mas foi batata. O custo foi dar uma volta. E não é,
pissica da velha chica, que faltou luz no parque e nós ficamos lá no último
andar, balangando naquele movimento pendular assustador com o vento geladinho
dando de banda.
Descemos
porque um pequeno acionou o mecanismo no muque, movimentando a roda e
desocupando as cadeirinhas uma a uma, para o nosso desespero.
Fui
desanuviar do trauma num barzinho do outro lado da praça, no espaço das
barraquinhas. A luz voltou, meu amigo saiu com a gêmea dele e se demorou
passeando no largo. Quando eles voltaram, ela veio abraçada a uma bolona deste
tamanho que haviam conquistado no jogo de argolas. Mas foi um pé para a minha
gêmea querer uma também. Eu, a fim que estava da pequena, agarrei e fui me
bater com as argolas. A gêmea felizinha e a gêmea esperançosa ficaram na
barraca devorando uma arriada de pamonha.
Comprei
um feixe de argolas e sai jogando ao qual pega. Nada. Depois, pedi mais umas
quantas, fiz a mira e me encostei no gradeado de madeira tentando melhor sorte.
Nada. Tomei mais dois pacotes de argolas, me debrucei sobre a cerquinha, me postei
quase de palmo em cima com os alvos. Nada. Não ganhei nem o que Maria ganhou na
capoeira. Pensei na frustração da gêmea minha. Chamei o vendedor para um
acordo. Contei minha história, encurtei o caminho e comprei logo uma bolona. Uma
vermelha com estrelinhas brancas, pra combinar com a blusa dela. Saí todo prosa
para o abraço de minha queridinha.
Todo
mundo feliz, ainda belisquei um tiquinho de pamonha que estava dando sopa sobre
a mesa. Fomos ao algodão doce, ao mungunzá. Depois nos apartamos os casais,
para os escondidinhos da praça.
Uma
noite de junho friinha, embalada pelos xotes e arrasta-pés. Que teve seu bom
termo. Deixei minha gêmea em casa e na volta para o meu cantinho, matutando no
caminho, é que dei pela troca. Pera lá: quando nos encontramos, no início da
noite, a blusa dela era amarela. Ai, ai, as gêmeas; ai, ai, o quentão!
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