Mãe
Sempre
dou uma atenção especial ao dia 13 de dezembro. Não que ele represente um dia
de comemoração. Talvez, seja bem mais, um dia de descomemoração. É um dia,
porém, que merece um recolhimento. Uma reflexão. Em 13 de dezembro de 1968, foi
editado o imperioso AI-5.
Acho
que o Brasil caminhou bastante, nesses últimos 20 anos. Ressalvo que tenho uma
esperança danada no futuro e que não sou de ficar reativando dores gratuitas.
Mas sustento que esse período da história que, aliás, ao contrário de gratuito,
nos foi muito caro, deve sim, ser revisitado com os requintes realistas possíveis.
Até como forma de alerta, de proteção. Como elemento de referência de métodos e
de autocrítica das ações (tanto da Esquerda quanto da Direita, diga-se).
Bem
a propósito, no sábado, 13, eu estava fuçando uns sítios na internet atrás de
um material que falasse da promulgação da Declaração dos Direitos Humanos. Por
afinidade com o tema, acabei varando no you tube. Encontrei lá uma seqüência retirada
do programa Linha Direta que contava a história de Zuzu Angel.
O
filho da estilista estava desaparecido há quatro anos. Ela, incansável na busca
de Stuart, enfrentava os militares, desafiava o poder ilimitado da época.
Procurava, procurava, abria caminho entre os porões da ditadura, perambulava
pelos labirintos do DOI-CODI e sempre tinha respostas evasivas ou suspeitas
negações.
Eu
já tinha visto o programa, e lembro que além da história duplamente dramática
(a própria Zuzu seria vítima, também, do regime), impressionou-me bastante a interpretação
da atriz Zezé Polessa.
Na
quarta parte do programa, é reproduzida a cena em que Zuzu recebe uma carta
do preso político Alex Polari relatando as circunstâncias da morte de Stuart
Angel. O destino, muito cruel com Zuzu, reservou para ela, toda a verdade sobre
o paradeiro do filho, exatamente na véspera do dia das mães. A carta de Alex
Polari era “uma carta terrível” como relata a colunista Hildegard Angel, irmã
de Stuart, em emocionado depoimento para o programa.
Na
seqüência, a atriz Zezé Polessa protagoniza um dos momentos mais sublimes da
teledramaturgia brasileira. Ela interpreta a Zuzu mãe, no momento em que ela toma
conhecimento das barbaridades cometidas contra seu filho. A leitura é feita em
voz alta. No início da carta, a atriz sugere um certo alívio de mãe, por
confirmar, enfim, que o filho estava nas mãos dos militares. Havia sido preso 4
anos antes e levado para as instalações do aeroporto do Galeão. Mas depois, ao
saber os horrores da tortura que o filho sofreu, ao descobrir que o filho “teve
seu corpo arrastado por um carro” que o seu menino “por várias vezes teve a
boca encostada ao cano de descarga do automóvel”... e “com o corpo todo
esfolado, foi deixado a noite toda sozinho, sem tratamento a pedir água, água,
água...”, o discurso se faz à beira do transe, do descontrole total. Zezé
Polessa é a própria e inconsolável mãe desesperada, desamparada. Uma Pietá sem
corpo pra velar. A partir daí as revelações da carta se mostram em frases
entrecortadas, em soluços, em gestos débeis e desatentos. Percebe-se parte da
mãe se desgarrando, o filho sendo arrancado brutalmente do seio provedor e
sumindo, sumindo, morrendo. A cena se condensa em um sofrimento insuportável.
Esgota-se em aflição.
A
imagem provoca uma mistura de sentimentos na gente. Coisa forte. Ao fundo, a
música “Angélica”, que o Chico Buarque fez com Miltinho, para homenagear Zuzu
Angel, me comove e ratifica a tradição de que qualquer reflexão sobre o 13 de
dezembro, por mais fria e distante que procure ser, sempre me faz chorar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário