Sonho de carnaval
Há tempos tô com vontade de desfilar meu
charme numa das nossas Escolas de Samba. Este ano, tô a fim. Há um astral,
mesmo que tímido ainda, pairando sobre o nosso carnaval de rua, mas reconheço
ser um astral animador anunciando ‘a festa da carne’, e diante do clima, já fiz uma jura: vou para a avenida do samba.
A
Escola vai ser da Pedreira, é claro. Talvez duas, se o preparo físico de
jogador de porrinha permitir. Vou tentar me arriscar também num bloco de
empolgação. E se tiver um por aí bem ao estilo revolucionário do velho Aguenta o Tombo, vou
que vou com tudo (é um tombo pra cá/é um tombo pra lá...).
O
problema é com que roupa eu vou.
Perdoem-me
os diretores de harmonia, mas não tem cristão que me faça vestir aqueles
balangandãs multicoloridos, aqueles acessórios, tão carinhosamente idealizados
pelos nossos talentosos carnavalescos e que, verdadeiramente, enriquecem as
fantasias. Não. Não tem quem faça.
Das
alegorias de mão, me poupem: os deuses da folia reclamam as mãos soltas para
louvá-los. Adereços e penachos que atentam contra a lei da gravidade, nem
vem... Chapéu estilizado que ocupe uma das mãos com a missão menor de
equilibrá-lo no cocoruto, eu dispenso: nada de coreografia “moça do leite
condensado”.
Sobre
os ombros, negatofe.
Nem
resplendor de papel laminado, ou arco-íris de isopor, tampouco asinhas
emplumadas que ficam entesando a gente na inglória missão de fixá-las. Não. Não
quero nadica. Na avenida, meus queridos diretores, eu quero ser livre. Quero
esvoaçar pagão sobre o asfalto e mostrar no pé a ginga de moleque pedreirense e o samba que habita meu espírito.
Também
nem tanto, né!
Não
vou pleitear um lugar no nicho libérrimo que é a ala dos de sunga e brilho. Eu,
heim! Com essa barriguinhazona e esses gravetos (vulgo canela fina), nananina. Não
quero ser alvo de comentários populares do tipo “que coisa reeedícula”. Pelos
mesmos motivos, declino de uma tanguinha na ala dos Tembé. De tanga? Ah, ah,
ah, ah...Olha que as coisas vão sobrar...
Devemos
nos entregar à liberdade momesca, mas devemos, também, manter o mínimo de
lucidez para evitar a bizarrice. Devemos lembrar que haverá, lá na frente, uma
rígida quarta-feira de cinzas a nos esperar com o caderno de contas na mão.
Deus
Baco que me livre e guarde, em contrapartida, do alto dos carros alegóricos. Ali,
sobre aquela plataforminha tremelicante segurando aquela varinha bêbada, e
bêbado eu! Lá pras altura eu é que não vou me abalar. Lá em cima, não abriria
nem os olhos, que dirá o samba no pé.
Mas
taí: um chapéu Panamá, uma camisa listrada, uma calça de cetim... a sapatilha
prateada, a barba por fazer, que tal? Ah, de passista, tipo malandro carioca de
gestos leves e faceiros (um desafio para os meus sessenta e poucos quilos,
admito), eu vou. Livre para alçar vôos sobre as luzes da avenida, para
acariciar o povo animado da arquibancada da Aldeia Cabana, para reverenciar o
meu povo da Pirajá, bem localizado, à beira da calçada. Obediente para pedir a
bênção dos deuses, livre para desenhar no chão da Pedreira, o meu coração de
sambista.
Legal,
de passista é que eu vou. Livre para me entregar à poesia do carnaval. Com a
confortável possibilidade de, foi-não-foi, fazer par com uma alucinante mulata,
com o mistério, com o desejo, com a ilusão e com os sonhos de carnaval.
Ah,
fazer par com a maravilhosa mulata...
Sim,
eu vou de passista. Mesmo que seja em sonho, é de passista que eu vou.
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