O
Plasil e a Crise dos Dez anos
O frasco de Plasil jaz solitário sobre a
mesa. Fora abandonado ali depois de mais uma “última discussão” do casal, dos
contendores, dos cônjuges, dos nervosos protagonistas da Crise dos Dez anos.
Antes porém haviam passado rasteiro pela
Crise dos Sete. Nessa época havia prazer em dividir o mesmo teto. Tinham
orgulho em estar emboletados nas teias do amor eterno. E a vidinha ia seguindo
regada por muitos “abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim”...Até que
sobreveio à Relação, a temida Crise dos Sete anos:
- Égua, a gente não tem uma casa, a geladeira
tá caindo aos pedaços, e, toma, segura a neném, que é a tua vez. – Desandou a
reclamar a mulher, volteando a perna no espaço à cata da outra banda da
chinela, que nessas horas agoniadas nunca está à mão, digo, ao pé.
O companheiro redargüi já abusado daquilo
tudo e encara a discussão:
- Segura tu, a menina. Éraste, mas tu também,
não tens calma. Não tens paciência pra nada!
Ela detestava quando ele dizia que ela não
tinha paciência. Perdia as estribeiras, soltava o verbo e xingava a estirpe do
marido desde a mais remota geração. Impacientava-se e saía de cena chutando os
brinquedos espalhados pelo chão (sem o maldito outro lado da sandália). Ele,
irado, entrincheirava-se na cozinha e ameaçava quebrar todos os pratos da
cristaleira. As crianças, largadas diante da TV, tentando entender os
Teletubies e tudo mais.
É, esta fase é terrível mesmo. Quando ele
cometeu o crime inominável de furar o congelador tentando “um gelinho pra tomar
um isquinho”, foi a gota d’água. A
Relação ficou por um fio. Iam apartar mesmo. Mas as crianças...Pô, tudo pelas
crianças...
Resolveram a crise sozinhos, sem a ajuda de
especialistas. A verdade é que se amavam ainda. Os filhos, lindos, enchiam a
casa de alegria. Dava pra salvar a Relação. Remendaram o congelador com
Durepox, acertaram os ponteiros e vararam a Crise dos Sete Anos numa boa. Sem
nenhum prato quebrado.
Parabéns, parabéns. Parabéns para quem? Dez
anos de relação e a crise vem devastadora:
- Égua, a gente não tem uma casa, a geladeira
tá caindo aos pedaços, e anda, anda, vai buscar as crianças na escola. Já deu a
hora.
- Vai tu, vai tu. Nem vem, que eu preciso
descansar. E para com esse negócio de falar gritando comigo. – O companheiro
rebate o desaforo da mulher esgoelando-se embora exija da parceira o mais
delicado tom na voz.
- Ai meu Deus, eu não aguento mais esta vida!
Estou enjoada de ti. De tudo...Enjoada. – Desespera-se a mulher, assumindo de
vez a sua decantada impaciência.
Foi assim que, de noitinha, ele chegou com
frasco de Plasil e disse que era para ela ir tomando aí, por esses dias.
- O quê, mas pra quê eu vou tomar isso? –
Perguntou ela, fervendo de raiva.
- Tu não estás enjoada? Olha, vou te
explicar...
Ela odiava, definitivamente, odiava quando
ele dizia “vou te explicar” com aquele ar professoral, arrogante. Com aquela
detestável cara de sabichão, como se toda a Britânica fervilhasse entre as suas
orelhas. Destemperou-se. Xingou amigos, parentes e aderentes do marido e saiu
para a cozinha, em direção à cristaleira.
Ele esbravejou. Gritou que ela não tinha
calma, não tinha paciência e que ele não via mais futuro para os dois. Saiu
chutando os chinelos espalhados pelo chão.
As crianças, largadas frente à TV., tentando
entender o Tinky Winky e toda essa espécie de coisas. Da cozinha, o barulho
escandaloso de pratos se espatifando contra a parede.
É, quando chega a quebrar pratos, é hora de
dar tiau.
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