Escreva
uma carta, meu amor
Tava a
fim de um teretetê de pé de ouvido com uma amiga. Umas informações, umas
fofocas, uns lamentos. Anunciei a intenção por telefone. Ela de prima sugeriu:
“porque não contas por carta? Acho tão legal receber carta. Tão respeitoso. Me
sinto importante. Encontrável. Divago até mesmo em rasantes filosóficos. Ora,
eu recebo cartas, logo, eu existo.”
Reconheço
que existam pessoas especiais que mereçam efemérides personalizadas, datadas, e
carimbadas, escritas em papel leve e macio. Eu acho muito bacana, também,
receber cartas.
Acontece
que para quem escreve, do cabeçalho até o carimbo do correio, a epístola é uma
aventura voluntariosa. Remeter uma carta é uma intenção cega, surda e muda,
concebendo momentos de realizações nobres como rabiscar um papel.
É de
bom tom, que a carta seja escrita a mão. Assim a gente é reconhecido. A letra
de próprio punho é a nossa identidade. O nosso estado de espírito. Exprime a
nossa saudade nos parágrafos iniciais, quando a tinta desliza singela sobre a
seda disponível. Nos parágrafos intermediários, é ansiosa e cambaleante
revelando incertezas e pecados na coordenação motora. No final das contas, a
tinta é um borrão só decifrável com preciosa boa vontade, dizendo do nosso
cansaço e do desejo de desabar na cama. Enfim, uma carta escrita a mão, como
deve ser, nos traz do passado o nome da palavra escrita e um adjetivo realista
para ela: a minha caligrafia é tão feia (ou numa versão ginasiana, “égua do
garrancho, moleque”).
Não tem
problema. O que interessa é que a amiga receba umas linhas, no caso, umas mal
traçadas linhas. E a gente se adianta na missiva. E ponto final, acabou o
mingau. A gente data e assina. Mas o sofrimento só está começando.
O
envelope eu sei, eu sei. A gente tem certeza que tem um envelope guardado por
aí exatamente para essas ocasiões. Ali, na gaveta. Numa daquelas pastas em cima
do guarda-roupa. No armário, pr’os meninos não pegarem? É fatal, a gente sabe
que tem um envelope em casa, mas quando precisa, nunca acha. No quinto dia de
buscas, a gente desiste, e num misto de revolta e preguiça, vai até a papelaria
e compra uns dez envelopes. Um, para o uso imediato. Os outros, desaparecerão,
por certo.
A carta
está pronta. Novidades mis. Fofocas desconcertantes, lamentos consoláveis.
Envelopada e cola... Não, a gente não organiza mais brigada de buscas nenhuma
em favor da cola. Vai até a cozinha, avança na panela de arroz, esmigalha uns
quantos grãos entre os dedos nervosos e com aquela massa do cereal recém
cozido, lambregalha as bordas do envelope. Pronto, está colada.
Monta
na bike e se manda para o correio. Caramba! Não sei o que acontece, mas por
mais tarde que a gente chegue, pela manhã, a agência ainda não abriu, ou por
mais cedo que a gente vá, à tarde, a agência já fechou. O horário deles nunca
combina com o da gente. E tanta coisa pra cuidar! Enfim, a gente faz campana e
consegue conciliar um instantinho. O moço pesa a nossa carta tão levinha e
anuncia o preço. A gente estica o Real até ele, e ele fulminante denuncia a
falta de troco. Ah! Que vontade de brigar, de evocar o nosso direito de
consumidor, mas que nada, não podemos perder esta chance, o lugar na fila, olha
o horário! A gente cata as moedinhas. E ufa! Despacha a carta.
A
amiga, a partir daquele momento, já pode esperar o carteiro chegar e gritar o
seu nome, do portão e mesmo sabendo “quanta verdade tristonha ou mentira
risonha, uma carta nos traz”, verá no subscrito a minha caligrafia e se
entusiasmará com meu esforço em chegar até ali.
Mas aí,
ainda tem aquele lance de extravio, né.
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