sábado, 21 de setembro de 2013

crônica da semana - a carta

A carta

Dia desses, recebi uma carta. Uma carta de verdade, escrita com cursivas habilmente traçadas, datada, subscrita e envelopada em envelope colorido e com gravura personalizada mimosíssima. Trazia palavras doces de carinho e de admiração pelas prosas que escrevo aqui no jornal. 
(Nessa minha vida cheia de desatinos e de débeis atenções. Uma horinha que me concentrei foi para colecionar coisas. Sempre fui dado a colecionar. Desde os tempos de menino. Pedrinhas, coquinhos, caixas de fósforo. Carteiras de cigarro, dinheiros antigos, figurinhas...
Uma fase que me vem agora na memória foi, quando mais taludinho, me danei a colecionar revistas. Como trabalhava na feira, não era muito difícil. Fazia rolo. Trocava, vendia, comprava. Era virado, me dava com a galera. No escapole-deixa das manhãs no mercado da Pedreira, sempre saía no ganho.
Uma das minhas mais valiosas coleções era a da Revista MAD. Ainda não pensei direito sobre a influência desta revista na minha vida...Mas era uma publicação diferente, escrachada, com traços ousados, um deboche aceso, piniquento. Tinha um ligeiro atropelo ideológico por causa da origem americana da edição...uma horinha dessas avalio este detalhe. 
Flertei também com os quadrinhos Hanna Barbera, tinha uma montanha deste tamanho de “Heróis da TV” em casa. Morri de amores pelos Herculóides, até topar com a “Chiclete com Banana”. Aí trairei feio, abandonei de imediato minhas prendas americanas e passei a cortejar os cartunistas da vanguarda paulistana. E até quando encontrei nas bancas, me alinhei aos traços de Laerte, Glauco Villas Boas, Angeli... Algumas tiragens clássicas e oportunos remixes ainda estão ali, guardadinhos à canforina, para o deleite de Flit, a barata doidona do Fernando Gonsales.
Tenho ainda uma luta diuturna aqui em casa para garantir a integridade da ruma de cartas que tenho guardada - porque minha mulher tá na ira para jogá-las fora, todas. Eu não deixo. Datam da época em que formei na Escola Técnica e passei a viajar pelos ermos amazônicos. O feixe mais legal de cartas que tenho, é aquele que escrevi pra mim mesmo. Foi assim: trocava correspondência com meu melhor amigo. Era mina de cartas todo mês. Escrevíamos que só. Falávamos sobre tudo. Os assuntos varavam aos montes. Eis que, depois de um tempo, quando voltei para Belém, bateu a curiosidade de saber o que escrevíamos ao longo dos anos de separação, então, combinamos e ‘destrocamos’ as cartas. Eu passei pra ele as que ele tinha me enviado e ele me retornou as minhas. Estas, estão ali, agasalhadinhas, protegidas, protegendo meus murmúrios de saudade e meus segredinhos que só, o hoje,  meu compadre sabe.
Não me desfaço das minhas cartas porque acho esta forma de se comunicar, uma das mais sinceras. Encerram sempre pareceres ajuizados, termos da mente e do coração que dificilmente revelaríamos assim no téti-a-téti - até revelaríamos, mas aí consumiria rubores, suores, tergiversações, sabe como é que é, né, a verdade demanda ensejos, ensaios. A carta não, a carta é nua e crua).
E ainda bem que este modelo de interação, esta conversa à distância, ainda persiste apesar dos avanços tecnológicos.
A mim me causou uma enorme felicidade receber uma opinião, desse jeitinho, por carta, e ainda mais sendo a inspirada remetente uma jovem que ainda nem completou 18 anos. Esta atenção mostra que minha prosa que no geral é memorialista, usa termos da antiga, e coisa e tal, ao mesmo tempo é suportada por uma energia que consegue sensibilizar os jovens. Que bom isso. Uma carta que me emocionou. Vai, obviamente, enriquecer a minha coleção. 

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