Por Tutatis!
Eu fiz duas coleções das revistinhas do Asterix. A primeira eu inteirei em Rondônia. O que tem de curioso e bacana na construção deste meu acervo é que Rondônia nem era um centro de circulação para as publicações mais clássicas, naquela época. Todavia, tinha por lá uma heroína, que montou a Rose Livraria e no auge de domínio das edições importadas pelo Círculo do Livro, Rose nos municiou com os mais variados produtos literários. A segunda coleção, montei em Altamira e comprei os exemplares direto da editora. Como as perdi, as duas, é assunto que por ora, urge olvidarmos.
Mas olha só as voltas que o mundo dá. No último domingo, rolou algo como um encontro com meus heróis dos quadrinhos: conheci uma vila Celta.
O lugar é fenomenal. Fica no cume do Monte Santa Tecla. Faz parte de um conjunto histórico de registro desta antiga civilização que engloba também parte de Portugal. As aldeias se distribuem pelas margens do rio Miño e esta, em particular, que visitei, se destaca pela visão panorâmica. É lá no cocuruto do monte.
Enquanto subíamos até o pico, ficava me perguntando que motivos tinham aquele povo pra sitiarem-se lá nas alturas, porque, convenhamos, é uma pisada sofrida chegar até lá. Aos poucos, fui percebendo as razões.
Os Celtas formavam sociedades tribais que ocuparam boa parte da Europa desde o neolítico. Tinham controles descentralizados, mas em comum, possuíam a língua, os costumes e a religião (donde obtinham inspiração para invocar a proteção do deus Tutatis, o “pai do Povo”).
Somavam-se em Gauleses (a galera do Asterix), Bretões (aqueles que usam os adjetivos antes dos substantivos, tipo, ‘quente água’), Gálatas (os destinatários das cartas de São Paulo) e Helvéticos (os despercebidos, neutros e ricos suíços), entre outros, e se destacavam como os bárbaros que compartilhavam virtudes como o heroísmo e a independência.
Daí que com estes traços de arrogância e orgulhos natos, era um pé para que os Celtas, daqui pr’ali, fossem desafiados.
Nesta região da Galícia, o topo do Monte Santa Tecla era um ponto estratégico de defesa. De lá, tinham uma rica visão das entradas por mar e terra, uma oferta generosa de pedras para rolarem abaixo contra os inimigos ou municiarem suas catapultas. A foz do Miño, além das belezas naturais regalou os Celtas também com segurança e proximidade com o céu (o monte tem 341m de altitude, mas, pelo encanto, pelo significado e pelo ventinho gelado que corre livre por lá, parece ter mais, bem mais).
Não resistiram, porém, aos romanos (segundo os criadores de Asterix, toda a Gália fora ocupada pelos romanos. Toda? Não! Uma pequena aldeia gaulesa deu muito trabalho a Júlio César).
O sítio de Santa Tecla, embora expresse toda a longevidade da civilização Celta (com testemunho de armas em pedra, desenhos rupestres e signos primitivos) já apresenta fortes influências da cultura romana e inclusive mostra a fase cristianizada do Império. Na aldeia há a evidência do domínio e o assentimento aos valores cristãos expressos na exuberância dos símbolos (traçaram simetricamente uma Via Sacra, com cruzes talhadas desde a base até o topo do monte, numa arte que se realiza como das mais fulgurantes e atraentes do lugar). Vê-se no complexo do aldeamento, os Celtas migrarem aos cultos cristãos (e eles que não admitiam a personificação de seus deuses, quedam-se a admitir templos ornados por imagens santas).
As ruínas indicam outras pelejas enfrentadas pelos Celtas galegos. Mas de cima do Monte Santa Tecla qualquer arenga era minimizada. Por Tutatis, que lugar bonito!
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