Se comer imbigo morre?
Meu amigo arregalou os olhos com um certo pavor urgente, e disparou nervoso: “não, não, isso a gente não come!”. Tarde demais. Antes do alerta, eu já tinha engolido uns três conjuntos de mexilhão, incluindo o umbigo. Eu ia saber que não pode comer o imbiguinho do bicho? Não que fosse inexperiente de todo. Mexilhão conheço, lá da feira da Pedreira, só que este daqui da Espanha é um teba de tez plumo-rosácea que se a gente for olhar direitinho, não come. E era o que eu estava fazendo: abria a casquinha, enfiava os dedos, fechava os olhos e mandava pra dentro. Meio sobressaltado com a orientação, a única coisa que me bateu perguntar foi se a gente morre se comer umbigo de mexilhão porrudo. Como escrevo esta crônica passados dois dias do ocorrido, me parece óbvio que não.
Não foi o único furo que dei nesta viagem. Foi-não-foi, me desentendi com alguns pratos, digamos assim, pouco convencionais para este liroublec emergente do vale barrento do rio Acre e talhado a chibé, água de arroz, farofinha (e a algumas oxítonas emblemáticas tipo tacacá, tucupi, vatapá, açaí, caribé...).
Durante as férias, nos quedamos na margem ocidental da Espanha. Uma região litorânea cuja principal riqueza é um mar dadivoso, pródigo, fecundo. Nas nossas andanças, desde os limites com Portugal até o FinisTerrae, ao largo de La Coruña, nos deparamos com um cardápio afortunado em produtos do Atlântico.
Dá-se então, que, em qualquer mesa, e ainda mais nesta época do ano em que rola uma praia (com a água ali, beirando os 20 graus, mas...praia) há sempre um prato montado com as iguarias marinhas. Aí já viu. Tive que ir aprendendo aos poucos a me virar com os bichinhos, com os imbiguinhos, com as casquinhas e conchinhas. Algumas vezes, é claro, a ratada foi inevitável, mas tudo superado com bom humor e com a vontade de experimentar coisas novas.
A diversidade de vida marinha aqui é enorme. Move a economia do lugar. Gera riqueza no bolso e na culinária. Como diz meu amigo Armando, que nos recebe por aqui, “O mar nos dá tudo”.
É uma lembrança agradável que vou levar daqui: esta relação respeitosa que percebi que os iberos têm com o mar (na mesa e na vida).
Outras artes me vão ficar bem marcadas também. Estamos voltando pra Belém e tenho que frisar aspectos dos costumes e condutas do povo espanhol. Não posso deixar de citar que aqui, se atravessa a rua com toda a certeza que não vamos ser abalroados por um inconsequente. A faixa cidadã é respeitada. Aliás, nem só a faixa. Presenciei cenas em que a preferência é dada ao pedestre mesmo fora da faixa; Pode-se ir à praia, deixar máquina fotográfica, celular, carteira, óculos, roupas, num montinho, ir dar um mergulho e na volta, encontrar tudo no lugar. O risco de ser roubado aqui existe, mas é bem pequeno; Todo mundo passeia com seu cachorrinho, mas tem também o seu saquinho higiênico e não entra na praia com ele (animais na praia, só as gaivotas); Os treme-terra da vida não se criariam aqui. O barulho é uma travessura impensada por cá. Não há. Nem na rua, nem entre os vizinhos, nos ônibus, na praia. Aqui é o paraíso do silêncio; Embora os ventos da crise soprem por aqui, pobreza não se vê. Não se vêm casas modestas. É tudo no granito; A quantidade de automóveis é altíssima. Parece que todo mundo tem um. E não é qualquer modelo não. É de Citroën pra cima.
A Espanha é um país alegre, porém disciplinado. Grande, atraente e sedutor. Pra não dizer que não têm pendências, sim, eles cantam aqui (em cada canto que haja uma festa), o “Gustavo Lima e você” e ainda o Michel Teló. Ninguém é perfeito.
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