Galícia, Galícia,
assim você me mata
Nosso roteiro na Espanha prevê montagem de acampamento
na Galícia. É uma região que se toma por um território autônomo dentro do país,
com idioma, costumes e sentimentos próprios. E é um ambiente bem próximo de nós
brasileiros por causa do aparentado da língua. Não temos tantas dificuldades na
comunicação. Por cá, a fala não tem a ligeireza do castelhano intracontinental,
nem o turbilhonamento bilabial lusitano.
Nos sentimos à vontade aqui, mesmo porque temos a
guarda de nossos anfitriões, mas sabe como é, né, há sempre aquele sentimento paranóico
de um neguinho (liroublec, em inglês) flanando livre, pela península ibérica,
ser um atentado à resistência econômica européia (por aqui, percebe-se uma luta
férrea por garantia de espaço, de emprego, de benefícios. Não presenciei, de
vera, uma arenga grave, mas sei lá, a intuição me diz que não há espaço para o fair
play na comunhão da crise). Daí que, máquina fotográfica pendurada no pescoço,
procuro convencer como turista. O que? Pensa que peão brasileiro só tem plano
de saúde, é? Tem plano turismo também.
Em que pese uma justificada cisma, cenas de um grupo
de galegos grandalhões, carecas, de dorso tatuado com motivos nacionalistas, me
esmigalhando o fígado, estão longe de acontecer aqui na Espanha. Pra não dizer
que nada houve, dias atrás, quando escalávamos um monte de 500 metros de
altitude no distrito de Soutomaior, aqui ao pegado, nosso grupo foi elogiado
com o meigo adjetivo de “imigrantes patéticos”. Um casalzinho galego passou por
nós, e no afã da subida, deixou escapar o mimo. Saquei a provocação, reinei em
revidar dizendo que patético, até posso ser, pero imigrante, não (ou ainda não.
É real a possibilidade de aparcar-me por
cá. A sedução é grande: o euro é forte e a carne é fraca). Fiquei só na mutuca.
Se repetissem a ofensa mais umas 38 vezes, aí sim, iriam ver o que é um acreano
enfezado. Depois verifiquei que eles estavam a fim mesmo era de dar uns pegas,
o local era ermo, e a gente estava atrapalhando. Metabolizamos e relevamos. Não
era caso de deflagrarmos uma crise diplomática ou de excitar a minha natureza
beligerante.
Diferenças são artes comuns, nestes sítios europeus,
por esta época do ano. É verão. Época de festas, de peregrinação a Santiago de
Compostela...O trânsito de viajantes é grande. Todo mundo varando daqui prali,
querendo aproveitar o sol.
Daqui de Galícia, irradiamos e comprovamos esta
diversidade. Fizemos uma visita a Madrid. Ali sim, vê-se um mix complexo de
nacionalidades, tezes e línguas.
Uma efervescência, Madrid. Tribos, tropas, hordas. As
praças são pródigas de atitudes. Discursos, espetáculos e muito protesto. Em
cada canto uma manifestação de indignados.
Os olhos se encantam e se surpreendem. Eu que sou
chegado a observar a paisagem celeste, tive ganhos nesta viagem. Em Madrid, dei
com um telescópio deste tamanhão instalado pelo Centro Astronômico, no centro
da Praça Maior. E é claro que me assanhei. Dei uma contribuição em centimos de
euro e pude observar a beleza das luas e dos anéis de Saturno.
E por falar em céus do mundo, aqui no hemisfério norte
os cenários e constelações aparecem em posições diferentes daquelas que nos
acostumamos a reconhecer no Brasil. A lua crescente, que no Brasil nos chega
como um sorriso largo, com um arco horizontal formado na parte inferior do
círculo iluminado, aqui na Espanha mostra uma disposição diferente, com a parte
iluminada descrevendo um arco quase vertical. Delícia, delícia...Assim, você me
mata.
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