Todo mundo quer amor
Creio nisso: Daí uns descontos que dou para umas presepadas com as quais, de vez em vez, tenho que me aviar.
Numa prosa com amigos, dia desses, me ocorreu uma música dos Titãs que fez parte do álbum “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”. O disco data dos incompreendidos anos 80, já bem do finzinho. Trata-se de uma paulada cantada em versos puros, porém fortes, verdadeiros. Um desavisado vai se assombrar com a construção poética um tanto mundana, um tanto obscena. Às vezes agressiva, imperativa. Quase uma lei: Todo mundo quer amor.
Sabe aquela coisa que martela por anos e anos? Pois é, esta música me acompanha desde os tempos em que eu me perdia pelas noites frias e cheias de mistérios do rio Xingu.
E é, reconheço, uma mensagem que aprendi a decifrar, a perceber nas minhas lidas. Aprendi a entender certas carências humanas e a justificá-las com estes incômodos versos dos Titãs.
É só olhar pro lado. A gente vai encontrar alguém que sofre de algum déficit de orgulho, de auto-estima. Depois, fuçando direitinho, a gente vê que são débitos que variam da simples busca por um abraço, ao desejo dos holofotes ofuscantes da fama. Tanto o afago, quanto as benesses do sucesso, para mim, ante exemplos que se cristalizam a cada dia, conotam uma forma diversa de entendermos o amor titânico.
A gente quer atenção, uma bitoca, um elogio, um dinheirinho, 15 minutos de fama, que alguém fale da gente, um assentimento a uma idéia, um sorriso mesmo que de longe, um trabalho honesto, o nome no rodapé de um artigo elegante, um alô do locutor da aparelhagem, o melhor lugar na sessão de cinema, sussurros no ouvido, promessas de uma vida feliz, um diamante de quinze quilates, incenso, mirra. A gente quer o vinho, quer o cálice de ouro, quer pecar um pouquinho por palavras, gestos e intenções; quer qualquer forma de amor que valha a pena. Todo mundo quer. Todo mundo quer amor. Fazendo uma releitura que caiba sem assombros morais num sábado de manhã, os versos dos Titãs, nos alertam que: quem tem tudo no lugar, quem excreta, respira e tem prazer, quem é um praticante do bem sem olhar a quem, quer. Quem é crente ou pagão, feio ou bonitão, simpático ou turrão, baixola ou grandalhão, falante ou caladão, todo mundo quer. Todo mundo. Mesmo uma pessoa amarga e má quer amor.
Não me desatarraxo dessa certeza. Procuro admitir que criamos mecanismos de defesa, mesmo que inconscientemente, que nos catalisam ou que nos viabilizam a felicidade. Ferramentas que confrontam a frustração e o desânimo. A gente corre atrás (e cai algumas vezes).
É uma coisa do eu da gente, e não acaba. Não vê, gente podre de rico (o dinheiro já foi dito, é uma das caras do amor) que de repente pira, chuta o pau da barraca? Com certeza quer experimentar ou conhecer outras caras do amor. Muitos dos problemas atuais que machucam o juízo e a arte do pensamento são mal interpretados, tidos como injustificáveis quando se manifestam em pessoas aparentemente felizes, que têm tudo na vida. Daqui pra’li, aquela figura pra lá de bacana destrambelha. Oculta-se, desiste do riso, do siso e da prosa porque quer amor criptografado.
E a gente tem dificuldade em compreender as carências. Somos impacientes. Taxamos as infelicidades de frescura, de esquisitices, de ansiedades bestas. E o mundo vai se desdobrando em tristezas, em silêncios e abstrações improdutivas.
É um desafio aceitar isso, mas, ora, ratifico: uma pessoa boa quer amor, uma pessoa má quer amor. Isso, pra mim, não tem errada. Quer amor que a valha, com a cara que lhe apraza.
Todo mundo quer amor. Daí os descontos...
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