Sexta-feira, 23 de Julho de 2010 22:28:48
crônica da semana
crônica da semana
Do Acre ao Afuá
Parece uma coisa. Tamanho julho e esses pampeiros no final da tarde molhando a cidade e cortando o barato da pracinha mais com pouco. Mas tá, então, em pleno mês de férias. Tô só vendo.
O aguaceiro, de vera, começou no domingo. Chamou a atenção porque não foi uma chuva comum de verão (amazônico), daquelas que se formam por causa do calorão com nuvens pesadas e escuras. Rolou uma moldura cinza-prateada, deu-se toda uma elaborada plástica nublada para que a água caísse.
Na segunda-feira foi flagrante essa situação. Até chamei os meninos para o meio do terreiro, pra gente ver aquele bailado das nuvens, bem pertinho da gente, raspando o nosso cocuruto. Uma experiência diferente para eles, ver o ziguezaguear descompromissado do vento levando as nuvens pra lá e pra cá, numa algazarra só, sem limites. E foi tão bacana, ouvir o farfalhar das árvores. Tão atraente, foi a anarquia do tempo d’tardinha que nos entregamos à paisagem plúmbea, aos relâmpagos riscando o horizonte lá longe, ao vento moleque zunindo nas esquinas. Aceitamos a bandalha da baixa atmosfera e ficamos pulando feito menino besta, no meio da rua, querendo tocar o céu que estava logo ali. E nos pegamos recitanto exclamações extemporâneas: “éraste, parece São Paulo. Um friozinho! As nuvens cá embaixo. Tá parece São Paulo!”.
Pode crer, aqui na Vila dos Cabanos, foi uma das poucas vezes em que a gente dormiu sem o ventilador rugindo de palmo em cima (depois, quando os primeiros pingos tocaram o solo, a euforia foi se desfazendo. Nos recolhemos e ficamos olhando a chuva da janela. E ela veio obediente, abundante, mas sem presunção ou alvoroço e assim permaneceu durante a noite. Amiga, pertinente, aconchegante a chiar melodiosamente, no telhado).
É bem verdade que o aguaceiro não tem atrapalhado as férias. Acontece quando já estamos em casa depois de mergulhos e muitas carambelas na parte rasa das praias do Caripi e Itupanema. Mas a chuva segura a galera naquele início de noite (quando a praça é a pedida), numa intimidade não programada. Empurra-nos para dentro de casa, a passar o tempo jogando um dominozinho, maltratando o violão com quadrados manjados e largando conversa fora até mais tarde. E haja macarrãozinho instantâneo e Q-suco, pra conformar e distrair.
Agora, quarta-feira, enquanto escrevo estas impressões (ufa, quase que sai ‘mal traçadas linhas’), a noite lá fora, resigna-se aos respingos que ficaram da última mini-tempestade.
Só aí já se vão quatro dias de chuvas fortes, sempre neste horário. Se viessem daquelas nuvens negras, densas de fim de tarde, tudo bem, ratificaria a convecção. Mas o impacto (aprazível) na sensação térmica é que embanana a gente.
Mesmo porque, julho começou nos conformes. Calor forte pra chuchu. Dias encarreirados sem uma gota de água do céu. Garrafas de água da geladeira perdendo feio para a demanda e os vendedores de suco faturando alto nos cruzamentos da Almirante Barroso.
Tudo como reza o script, e de repente, quando a gente dá fé, o tempo destrambelha.
Nada a temer, porém. Acho que foi só um resfriamento solidário. A gente não viu o Acre, por esses dias registrando 7 graus de temperatura? (Lá também é o verão amazônico. Daqui a pouco os rios vão estar ‘só um fiozinho correndo no rego do açaizal’ e a imprensa vai mostrar a luta do ribeirinho sem rio por aquelas bandas). Estas nuvens argênteas que nos envolvem, talvez sejam um resquício, uma rebarbinha da friagem que atingiu o Acre e que veio se aquecer e se dissipar nos ares orientais da foz do Amazonas. E nos deram noites friinhas. Éraste, parece São Paulo!
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