Floresta em pé
Numa
viagem de avião, em trecho curto que seja, ou mesmo de barco, carro, quando a gente
se adianta nos interiores, além das ocupações urbanas, logo a gente dá com a
floresta. É aquela imensidão verde. Uma incrível composição biodiversa que,
saindo do perímetro geográfico amazônico, a gente não vê em parte mais nenhuma
do Brasil. É a dita floresta em pé. Ativa. Evapotranspirando. Produzindo vida e
harmonizando o planeta.
O
que se admite e a causa que nos leva à luta, é manter árvore em pé. E quando a
gente se depara com a situação inversa, com mina de árvores deitadas ao chão,
desanimadas e secas, nossas motivações ganham além do caráter ambiental, uma
alta dosagem de estimulantes emocionais...
(O
quadro era uma menção ao horror. Uma parecência com algum tipo de inferno
tormentoso e triste. Um ajuntamento caótico de troncos, raízes, galhos,
testemunhos de frutos e flores, uns sobre os outros, imprensados num segmento
do vale. Quando dei com aquele panorama, senti o coração apertado, o fôlego
sufocado, as vistas entregues à umidade, ao lamento. Era uma área que havia
sido desmatada para a atividade de exploração imediata.
Para
mim, não era comum topar com estas cenas. Atuava muito na pesquisa, fazia a
geologia pioneira, era linha de frente. Entre mim e as minas instaladas havia
uma longa distância e enfileirados processos. Esta fase intermediária entre a
pesquisa e a extração que exige preparação de área, supressão, infra-estrutura,
montagem, experimentei dessa vez no aproveitamento de reserva no leito do
igarapé, e uma outra, em terra firme.
São
choques diferentes. Quando as interferências acontecem nas calhas dos cursos
d’água, a gente sofre o impacto, sente o golpe de tantas árvores abatidas e
empilhadas desordenadamente, mas ainda se localiza espacialmente, tem a referência
alto/baixo do relevo marcando as drenagens. Se retirada a mata desfalecida do
leito, na fase de limpeza, ainda assim a gente se encontra no mundo.
Agora
quando na encosta, em terra firme, é mais impactante. Uma sensação de
esvaziamento, uma visão delirante, desestabilizante, desnortente nos abate.
Parece que a gente é um pontinho perdido no meio do nada. Foi o que aconteceu
quando me vi atravessando as fases e cheguei até o processo de montagem de uma
planta em Rondônia. Fiz a geologia de detalhe, medições, potenciais e
viabilidade. Depois, calhou de me pegaram para as demarcações topográficas. Era
ainda tudo na mata em pé. Todos os dias eu adentrava a área. Tinha meus
controles, picadas mapeadas, direções e sentidos identificados, piquetes e
marcos de apoio. Eu me virava por ali indo
e vindo, fazendo varações, escolhendo caminhos, a mata em pé dando as dicas.
Sempre referenciado. Tudo marcadinho, entreguei para a turma da operação, mudei
de área e passei para outras atividades. Com um tempo, voltei. Dei com o puro
limpo. Nem os marcos resistiram à fúria dos tratores. Eu não reconhecia mais
aquele lugar. Era só descampado e céu. Uma desoladora visão das ausências, dos
débitos, das culpas. Eu me senti um pontinho desorientado).
Naquela
época, quarenta e tantos anos atrás, penso que não havia os controles que hoje
regulam a atividade de exploração. Pelo menos a nós na linha de frente não nos
eram repassadas regras ou compromissos ambientais. Sei que as árvores retiradas
não eram queimadas (Agora, em tempos recentes, descobri que havia uma turma que
arranjava um jeito de lucrar com as árvores retiradas na limpeza, realizando
contratos irregulares com madeireiras. Esta é a revelação que me pega em atraso,
por operar à época, tocado por inocências e romantismo. Não maldava).
São
duas experiências que pautam minhas reflexões até hoje. As árvores caídas
empilhadas confusamente entre barrancos e o solo nu sem uma única cintilação de
vida. Lembranças duras, mas que ao menos justificam agora, a defesa do
incomparável valor que tem a floresta.
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