Direção e sentido
Na
vida, por vezes temos a direção, mas nos falta o sentido.
Aconteceu
de uma vez, eu me perder no mato. No exercício da profissão a gente valoriza a
atenção, recorre às recomendações e treinamentos, mas pra gente se perder, ó, é
daqui pra’li, num piscar de olhos. Não era área boa pra se perder não.
Estávamos na margem direita do Xingu. Hoje, pesquisando imagens e mapas, fico
besta de ver como aquela região se modificou. Tem cidade, vilas, ocupações,
fazendas pra tudo quanto é lado. A floresta é só uma lembrança. E, nos
contornos, o ambiente carrega também o trauma ocorrido em Anapu causado pela
violência cometida contra irmã Dorothy. Naquele finalzinho da década de 80,
entretanto, era a selva densa e soberana. Poucos andavam por ali. Minha equipe
de Geologia, os técnicos da Florestal, e as turmas da Topografia se arriscavam
naquele ermo. E do projeto, que eu saiba, só. Ao contrário da margem esquerda
que tinha ligação com a Transamazônica e trechos mais povoados, era frente de
rara movimentação. Por isso, era meia bronca se perder por lá. Não tinha rota
de fuga. Mas foi o que se sucedeu.
Saímos
em dois para uma jornada de mapeamento. Eu e o Geólogo da campanha. Tudo bom,
tudo bem, trabalho fluindo na boa, martela uma rocha aqui, um bloco disperso,
ali, sempre orientados pelo mapa e pelas marcações deixadas no eixo das picadas
abertas pelos pioneiros da Topografia. Quando se deu o temido branco. Meu amigo
saiu para um varador dentro da mata. Eu guardei posição. Ele considerou
importante aquela rocha escondida na brenha alta e me chamou para conferir.
Levantei a vista, fui no rumo dele, anotei, medi junto com ele os parâmetros do
afloramento, e catalogamos o ponto. Borimbora. Mas quando! Ao erguer a vista,
cadê a picada! Fizemos um reconhecimento, uma regressão, nos arriscamos uns
passos além, outros atrás e nada. A mata era de uma textura só. Tudo igual.
Reconhecemos: estávamos perdidos. Valeu a serenidade. Não nos afobamos. Usamos
o protocolo. O procedimento ensina procurar região baixa, achar uma drenagem e
seguir o caminho da água. Deu certo. Localizamos o igarapé no mapa e
verificamos que em algum momento cruzaríamos com uma picada transversal ou
linha base aberta pela turma da Topografia. Não foi fácil. Muitos desvios,
trechos mais fundos do igarapé que evitamos, alternativas pelas partes mais
altas, retorno ao leito do rio... Não tínhamos facão ou outro recurso para
vencer as partes de mata mais fechadas e haja arrodeio! Quase duas horas
depois, varamos em cima de um piquete. Identificamos a numeração, visualizamos
no mapa. Era só traçar a caminhada de volta. Nessa hora foi fundamental saber a
diferença entre direção e sentido e dar razão, estabelecer uma lógica entre um conceito
e outro.
Pelo
comum, a gente não faz essa diferença, digo até que a gente tem um pelo outro.
Normalmente chamamos de direção o que na regra é o sentido de um caminhamento.
Dizemos: ‘segue na direção que aponta teu nariz’.
O
que torna é que o sentido é um componente da direção. No nosso caso, o piquete
que achamos, por ser parte de um alinhamento, uma reta horizontal, representava
a direção. Dali, tiraríamos o sentido que caminharíamos sobre a reta, para sair
da mata. A decisão nos levaria ao nosso acampamento ou nos encerraria no fundo
da floresta, perdidos, por tempo indeterminado. Se a gente pudesse ver o sol
ainda próximo do horizonte, orientando o mapa, seria galho fraco. O sol não nos
valeu. Então, só teríamos certeza se o sentido seria o correto, se achássemos
em campo, outro piquete que estava localizado no mapa. Mais uma andada operacional.
Na
vida, o mesmo acontece. Temos outras direções até. Vertical, horizontal,
inclinada quase em pé, quase deitada. O sentido, não depende exclusivamente do
sol. Vai da gente. Podemos seguir para cima, para o lado. E sempre atentos, para
não nos quedarmos ao lado errado da história.