sábado, 12 de outubro de 2024

crônica da semana

 Pedido pra Santa

Não sou de pedir. Me dou, pelo comum dos anos, a agradecer. Viver já é uma graça sem medida de tamanho ou definição. Por satisfeito, me tenho ante tantos desafios diários. Por isso, nem conto os anos em que me programo para ver a passagem da Santa e como tantos ao meu lado, erguer os braços em direção à berlinda e, humilde, grato, reconhecer que nem mereço, mas que as bênçãos da Santinha, é certo, me mantêm vivo e esperançoso de todo o bem. Já pedi, um dia? Já. Mas eram pedidos doces. De molequinho da Pedreira.

Lá atrás, bem longe no tempo, era apresentado. Um garoto que por tudo em quanto recorria à Santa. Para uns casos, todo dia. Acontecia num período chuvoso, mais de certo, com atenção àquela chuva do início da tarde. Estudava na Aparecida. Mamãe operava a caixa registradora de uma padaria ali no largo do Museu. Não dava descanso pra Santa. Saíamos juntos, naquela horinha morta da tarde, eu e mamãe. Antes, enquanto salpicava um talquinho no pescoço para refrescar, rezava a reza da hora e pedia para Nossa Senhora para não chover. Que a mamãe pudesse esperar o ônibus, embarcar, iniciar o trabalho; que eu vencesse os dois quarteirões até a Aparecida, tomasse a bença de fessora, me acomodasse na carteira. Depois sim, depois que alcançados nossos destinos, abrigados e já em nossas lidas, Nossa Senhora poderia destravar as torneiras e liberar uma aguinha pra molhar a cidade e amainar o calor. Na maioria dos dias, não tínhamos contratempo. Aqui ali, um chuvisco, mas nada que impactasse nosso rumo e minha combina com a Santa.

Em uma outra ocasião, pedi e paguei uma promessa. Acho que esse pedido deu mais trabalho pra Nazinha, afinal tinha do outro lado, por certo, uma penca de clamores também. Mas rolou. Papão 1 x 0 sobre o maior rival. Gol do Cabecinha. No dia seguinte eu estava varando de lá a cá, a calçada da vila que eu morava. De joelhos e com uma vela acesa na mão. Este bicola! Sempre nos exigindo sacrifícios.

Depois fui crescendo. Entendendo o mundo. Reconhecendo barreiras, degraus infinitos, atropelos, condicionamentos sociais que dependiam mais de mim, superar, que da Santa. A cada jornada, a cada conquista, o mínimo alcançado, posso admitir, ainda que mesmo sem a demanda formalizada, desconfiava que a Santa dava aquela ajudazinha. Estava escrito. Tínhamos aquela parceria que vinha da infância e não mais precisava da formalidade das palavras em preces pidonas ou das promessas.

Desde aquele tempo, meu encontro com a Santa é só para agradecer. Deixa estar que este ano não. Este ano vou pedir.

De novo, pelo Bicola (pra não cair).

E mais, e com toda a fé, peço a intercessão da Virgem para que nossos corações irriguem com o sangue puro e consciente, nosso cérebro. E que a lucidez se faça presente em nossas ações. Que a gente reconheça, a partir de um avivamento da razão, a necessidade urgente de cuidarmos do planeta, dos mais pobres, dos que mais precisam. E que a gente perceba que ninguém se põe em pé só pela vontade. Temos um meio social, uma distribuição de renda desigual e ainda a ganância, a usura de muitos, que empurram qualquer vontade, qualquer sonho para o profundo insuperável do poço e da margem social.

E que a vida conte como nosso bem maior. Tantos são nossos conhecimentos, os recursos tecnológicos, o poder que a ciência tem de evitar o pior. Se a vida contasse, se contássemos com o poder do convencimento pela ciência e não pelas fake news, como exemplo, teríamos outra conduta, preventiva, cuidadosa, ao sinal de tanta chuva que viria atingir o Rio Grande do Sul este ano. Nenhum outro interesse se sobreporia à vida.

Meu pedido para a Santa é complexo, sei. Exige parceria. Tolerância. Coração abrandado.

No entanto, a certeza é inabalável. A Virgem vai cuidar e nos dar a graça. Par’o’ano, estarei aqui agradecendo. Amém.

Um comentário:

  1. Amém!! Amém!! Amém!! Nossa Senhora a frente. Cuidar da Casa Comun e para todos, mas cadê a consciência?
    Valeu e vale o teu pedido vou me juntar a ti neste momento, obrigada Nossa Senhora de Nazaré

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