Hera uma vez e sempre
A
caminhada era longa. Alta madrugada. Um relato aqui outro ali do Chupa-chupa
aparecendo por aquelas bandas, solidão e vontade de chegar. Com muito esforço,
equilibrado, garantindo certinho o trajeto no eixo central das pontes de
madeira estioladas que se ramificavam no alagado até chegar ali pelo adianto da
Itororó, meu caminhar, alheio às espreitas da noite, tinha o rumo decidido de
casa.
Tirava
no pé da Primeiro de Setembro, nos limites do campo de aviação, até a vila em
que eu morava, na Mauriti. Com varações pelo beco do Gentil, estreito do
Salesiano, canal da passagem D’outel, da Pirajá até pisar no asfalto da Pedro
Miranda. Um bom estirão sem iluminação, cachorros vadios doidos pra dar uma
carreira num passante, sapos agoirando ao largo do lago e a impressão de uma
pisação atrás de mim. A maior parte do trecho vivia entre arrepios e medos. Mas
valia a pena. Tinha passado uma boa parte da noite ouvindo as canções do Grupo
Hera da Terra, cultivado amizades e me animado com umas visitas ao garrafão de
caipirinha que inspirava, altivo, no meio do terreiro.
Eu
já era di maior. Podia me dar a essas aventuras noturnas. Estava no final do
curso, na Escola Técnica, tinha conseguido uma bolsa no laboratório e me
arranjava também com o recurso que vinha de nossa barraca na feira, nada porém,
que me desse o rompante de uma viagem de táxi na bandeira 2 da madruga. Me
virava na pernada mesmo, às vezes acompanhado do professor Nazareno, letrista
de primeira ordem do Hera.
Era
bacana voltar com o professor. Ele era um especialista em Pedreira. Conhecia
bem a história do bairro e tinha ótimas fontes de pesquisa. O que nos permitia
parar em alguns dos inferninhos que bombavam na época. Era considerado, o
gerentes ofereciam sopa, PFs, uma saideira. A gente matava a broca depois da
noitada, pelos escondidos boêmios. Não mais que isso. Tudo acontecia em favor
da pesquisa pelos corredores do Shangrilá.
Como
eu tinha a bolsa, passava o dia todo na Escola Técnica. A combina com mamãe era
que cedo eu montasse a barraca na feira esperasse umas das minhas irmãs e daí
estaria liberado. Nessa época, um fato incompreensível hoje, à luz da LDB,
aconteceu. A Escola passou a fornecer merenda escolar. Deu-se que na batida da
campa do primeiro horário, eu já estava na fila. Participava também da sessão
da tarde e fechava a fatura na janta. Fazia as três refeições na Escola. Me
aprontava para a jornada. Tinha uma boroca, socava as coisas dentro. Meus
pontos da Escola, toalha, material de higiene, meu leite de rosas, panfletos do
Movimento Estudantil. Carteirinha... na sexta-feira, a conta era batida. Não ia
nem em casa. Dava a hora, corria pra Mauriti esperar o Sacramenta-Reduto. E me
socava na Primeiro de Setembro. O ônibus era o Uber da época, me deixava, bem
dizer na porta da melhor música que se fazia na Sacramenta.
Numa
dessas, depois da nossa reunião lítero/etílico/musical, me aprumei na direção da
Pedreira. Dessa vez, não era impressão.
A uma distância não muito grande, uma pessoa se movimentava na minha mesma
pisada, atrás de mim. Pelei de medo. Acelerei o passo, cortei caminho pelas
pontes mais instáveis, corri como se corresse de um cachorro que latia perto. E
o sujeito atrás. O que eu fazia, ele fazia. Na fé, avistei o asfalto lá em cima
e as luzes da boemia. Quando cheguei na parte nobre da Pedro Miranda, me senti
aliviado... Mas quando! Não é que a polícia apareceu, me parou, revistou minha
boroca e tudo. Fiquei indignado. Lá atrás, para amainar meus medos, nada da
segurança pública. Que perturbação, meu pai!
Daqui
a pouco vamos fazer um show em homenagem ao Hera da Terra. Hoje me dou como
fruto de uma era musical. Enfrentaria os estirões, o Chupa-chupa, os cachorros vadios
e a solidão da noite de novo, só para me encantar com as incríveis criações do
Hera da Terra.
Nossa q susto, faltou postar uma partezinha de uma música do hera p gente cantar. LK
ResponderExcluirHj li todas as disponíveis aqui, obrigada Sodrézinhos pelo dom repartido aqui. Deus Trino o abençoe grandemente e Nossa Senhora a frente. LK
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