Bacana de pijama
Agora
nesta semana que finda, fez um mês que deixei de trabalhar. Assumi a minha
aposentadoria. Decisão ousada. Cheia de poréns, ponderações, narizes torcidos,
torcida a favor, desconfianças, mas no geral, muito apoio. Banquei a parada (ipsis litteris).
Vou me assumir como um bacana de pijama. No dia 02 de setembro, quando
formalizei minha saída da empresa em que operei durante 30 anos, encerrei um
ciclo formal de trabalho que teve início lá atrás. Em 1975. Foi permeado pela informalidade
em momentos vasqueiros, mas no cômputo previdenciário respondeu além dos
requisitos de contribuição. Foram além de 40 anos cravados no papel passado. O
que dá, em tudo por tudo, a conta de que desde o primário, quando me aventurei
na venda de picolé, até agora em setembro, não parei uma ve’zinha sequer de
trabalhar. Tô na baba, já. Mais que na hora de dar tiau.
Quando
da minha rescisão contratual (fiz o procedimento na sede do sindicato que
ajudei a criar), me permiti levar a primeira carteira, aquela assinada quando
eu tinha 12 anos. Faz parte da simbologia do momento, um lance no âmbito do
nostálgico que me impõe muita reflexão e algumas lágrimas. Outro ato de intenso
valor simbólico aconteceu no dia 02, quando me desfiz do celular corporativo.
Ao retirar do bolso e devolver o aparelho para empresa, a sensação era de uma
carga de 10.000 elefantes sendo aliviada das minhas costas. Foram tantos os
compromissos desprendidos de mim naquela hora. As rotinas, cada vez mais
elaboradas, exigentes que a função demandava, e eu, olha só, nos limites desta
minha batidinha de idoso...; o acúmulo de inúmeros credos sustentados dentro da
minha categoria, dentre eles a fidelidade com os compromissos de classe; a luta
pela preservação das conquistas (e que foram muitas); o zelo por amizades caras
e sinceras que fiz no meio operário e que, de alguma forma, ainda me viam como
referência; a doce lembrança de um dia ter sido uma das meninas da Logística
(esta recordação, corrijo, não conta como um peso não, não se mede como uma responsabilidade,
mas um alento, um alívio que me abranda o coração desde que tempo. Trabalhei 5
anos só com mulheres e foi uma experiência incrível!).
Disse
das emoções. O velho clichê vale para esta experiência de desapego. Quando me
desliguei do celular, quando me veio a sensação de paz, ao mesmo tempo passou
um filme na minha cabeça. E as cenas iniciais se fizeram muito presentes.
A
viuvez de mamãe. O desencanto com o Acre provedor. O desmantelo de sonhos e
seringais. Aquele momento na Visconde em que mamãe decidiu lutar e viver
sozinha com os filhos; a distribuição de minhas irmãs para as casas de família
e a primeira tentativa que eu realizei de ajudar em casa vendendo picolé. Ou
uma aventura traumática como oficce boy em um escritório de advocacia na Santo
Antônio. Experiência de um único e desastroso dia.
Não
havia alternativa. A vida era um aperto só. Não tinha programa nenhum de
governo, nenhum numerário vindo de bolsas sociais, plano qualquer de amparo
coletivo. O governo militar falava de um bolo que crescia, e nunca chegava a
hora de dividir as partes. Nem um cuizinho do bolo sobrava pra gente.
Mamãe
soube de um despachante que atuava na DRT da Gaspar Viana. Amanhecemos na fila.
O homem não apareceu. Mamãe chorou na porta. Deixaram a gente entrar. E deste
dia, herdei a minha primeira carteira profissional. Na foto, a data numa
plaquina sobreposta ao meu peito. 24/07/75.
Minhas
tias que mantinham carreira no ramo de supermercados, fizeram porque fizeram e
arrumaram uma vaga pra mim no Pão de Açúcar, como empacotador (ou boy, no comum
dos dias).
A primeira
assinatura na carteira aconteceria no dia 11 de agosto. Eu, este bacana de
pijama, estava contratado pelo Grupo Pão de Açúcar. Naquele dia o primeiro
elefante subiu nas minhas costas.
Amém e gratidão pela tua carreira profissional. O moço da Albrás q vinha no ônibus lotado mas sempre com seus óculos redondinho lendo o seu grosso livro. LK
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