Meritocracia
Como
são as coisas... Estava na primeira volta da caminhada, no Bosque, certo na dobra
da Perebebuí para a Almirante Barroso, de confronte o sol. Ultrapassei duas
senhorinhas e a prosa delas me chamou a atenção. Apontavam para o nascente, especulavam
sobre os pontos cardeais, e do meio pro fim, uma delas abriu o coração dizendo,
com algum saudosismo, que, ah, adorava aquelas lições. E emendou reconhecendo que
se aprendia essas coisas tudinho nas aulas de Geografia, daqueles tempos. A
conversa delas foi ficando para trás, me distanciei na direção do sol ainda
baixo, ali pelas sete horinhas da manhã, abri os braços e me localizei. O norte
é pra’li, pras bandas do Entroncamento.
Geografia
foi meu primeiro curso não concluído na UFPA. E o mais rico em protocolos. Logo
de prima, tranquei a matrícula. Passei, já quando estava beirando os trinta
anos. Era arrimo, o homenzinho da casa e estava na pira do desemprego. Fiz a
habilitação, mas adiante, consegui trabalho no Amapá. Rapidola, usei dos protocolos
para trancar a matrícula e, ainda de cabeça raspada fresquinha, me mandei pra
ganhar um tutuzinho, que estava era nos fazendo falta, lá pros lados do Cupixi.
Mais papelada, ressalvas, requerimentos e destranquei a matrícula um ano
depois, em 1994. Nem esquentei a cadeira. Quando estava preparando os
apontamentos para a primeira avaliação, ganhei mundo de novo. Novo trampo, dessa
vez em Barcarena. Marcou o curso de Geografia, a minha passagem mais rápida por
um curso superior. Bateu na biqueira de um semestre. Mais dez anos e
ingressaria novamente na Federal para fazer seis semestres em Geologia. Nova
desistência, mas durou mais. Deu até uma gordurinha ao meu SIGAA.
Foi
pouco tempo na Geografia, no entanto, marcante. Naquela oportunidade, tirei a prova
dos nove do que é, na vera, um curso superior nas aulas concorridíssimas do
professor Juan Hoyos, onde nos encantávamos com a oratória dele e os detalhes
que divulgava sobre a esperança de reservas científicas na Amazônia; me vi abismadíssimo
em exercícios semânticos e a descoberta da sílaba pretônica, com o professor
Pedrinho de Português; quedei-me entusiasmado às aulas ao ar livre ministradas
pelo Giovani e também com o discurso substancioso do Nailson sobre a
Epistemologia da Geografia, abrigado em uma concentração extraordinária, imerso
naquele transe intelectual, mesmo que desconfortavelmente acomodado, porque ele
era grandalhão para aquela cadeirinha do professor, ao canto da sala.
Abandonei
a Geografia sem adeus. Num dia sustentava atraentes prosas epistemológicas com
meus colegas, no corredor do pavilhão... D? E? Não lembro mais. E n’outro
estava com tralhas e bagagens atravessando a baía para iniciar minha jornada
como peão de fábrica. Nem deu tempo de articular os protocolos. Fui jubilado à
revelia, imagino.
A
Geologia, em 2004, veio como a realização de um sonho que se repetia há anos.
Sou ainda um apaixonado por esta ciência audaciosa, destemida. O sono me tirou
o ânimo, me tirou da sala de aula, dos laboratórios, das folgas com minha
turminha, conhecendo as mais novas combinações gustativas do jambu, em
experimentos que se assemelhavam às vivências dos naturalistas- raiz do século
19. Meus méritos se diluíram no sono e
no cansaço. Em jornada de turno, ficava até 36 horas sem dormir, para poder trabalhar
e estudar. Com as crianças pequenas, desobrigas domésticas e ainda um pouco de
arte, não aguentei. Também foi sem protocolo.
A
ilusão da meritocracia, aqui, ali, me derrubou. Às vezes com, outras, sem
protocolo. E acho que caí mesmo foi naquele inverno amazônico de 1975, em que
completara 12 anos, assinava minha carteira profissional pela primeira vez,
batalhava como empacotar de supermercado e pirangava uma gorjeta dos barões com
seus carrinhos cheios de compras.
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