Não é peru, é pato!
Este
ano, muita coisa emboloada. Eleição. Uma gripe inesperada. Show da Simone na
bienal. Chuva de temporal pleno setembro, um dia esticado na ativa até além das
8 e meia para o remelexo do esqueleto por prescrição médica. Atenção nisto,
naquilo e naquil’outro. No que deu? Ficamos, a família, sem o pato do Círio,
depois de ter mina de pato no nosso micro latifúndio de
meia-légua-indo-e-voltando, ali pros lados do salgado. Perdemos o trem da linha
Belém-Bragança e ficamos sem a aviação da ave, no mês nazareno. E agora quede
que a gente encontra unzinho pra remédio do comércio varejista da cidade? Nem
crista nem copa. Pode até encontrar, ali pela feira da Jutaí, mas é com o preço
por acolá de secar bolso fundo. Mais caro que o diamante da rainha.
Vá
lá que seja, é da época. E também da pouca inclinação que temos para a criação
de pato, em nossa região. Bem a calhar o causo de há alguns anos, ainda na
minha atividade sindical, eu ter alimentado o sonho de transformar as margens
do rio Murucupi em Barcarena, num centro produtor de patos para o Círio. A
idéia não foi minha. Partiu da companheira Vera Paoloni, dirigente do sindicato
dos bancários, que à época fazia uma parceria muito das suas di rocha com o
nosso dos Químicos. Construímos muitas ações juntos. Realizamos o Passeio
Ecológico pelo Furo, apoiamos as encenações da Paixão de Cristo, nos demos as
mãos em campanhas salariais. Tecemos também programas cidadãos com projetos de
geração de emprego e renda para as comunidades vizinhas. A criação de patos
surgiu daí. Cenários políticos adversos, mudanças de orientação no campo
sindical em’pata’ram o desenrolar do plano. O tempo corroeu nossas intenções,
outubros mais vieram e nosso projeto dissipou-se na brisa que se espalha pelo
Arrozal, Caripi, e vai dar aos pés de Nossa senhora do tempo, lá na falésia empavonada
do Cafezal. Ainda hoje imagino como seria aquela pataiada ali em todo o estirão
do Murucupi, esperando pra mergulhar de cabeça, num caldeirão de tucupi. Formo
imagens, paisagens, fantasio patinhos chapinhando na margem argilosa, escura,
lamacenta... Ilusão. Este ano não vai ter pato em casa.
E
por falar em pato...
Volto
a época de sindicato quando escrevi um comunicado à categoria classificando
como uma intervenção cultural danosa, a iniciativa do setor patronal de
distribuir aos trabalhadores um peru para as festas do Círio. Mas onde já se
viu, protestei. Corporações de fora, ao instalar-se em nossa terra, deveriam
antes de tudo, conhecer costumes, paixões, impulsos e devoções de nossa gente. E
dei a letra: No Círio, não é peru, não. É pato. Pato!
Resmunguei,
mas acabei pegando o meu peru congelado. Casou de aquele final de semana ser
exato, meu período de folga das jornadas em turno. Agasalhei meu peru no
congelador na sexta, e na manhã do sábado, embrulhei bem embrulhadinho num
chumaço de jornal, arrumei na bagagem e parti cedinho para o porto de São
Francisco, na intenção de embarcar no primeiro popopô para Belém. Esqueci um
detalhe: era o sábado da romaria fluvial. Estavam todos, desde o casquinho até
o catamarã mais porrudo, no cortejo pela baía. O jeito foi esperar. O tempo foi
passando, eu ali na esperança de um barco, e nada, a temperatura do dia foi
subindo, quando dei fé, estava pingando uma aguinha da minha sacola. O peru
estava descongelando. Quando o barco apareceu, já estava um sol além do
meio-dia. Até me aninhar no meu canto, já batiam os ponteiros do relógio, bem
mais que quatro da tarde. O peru não resistiu ao calor. Já chegou em casa
esverdeando.
Naquele
ano não teve pato, no almoço do Círio. Nem peru.
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