domingo, 23 de outubro de 2022

crônica da semana - causos do Círio

 Causos do Círio

Teve aquela vez que ante o engarrafamento gigantesco da José Malcher, desci do ônibus e saí em desabalada carreira pela calçada. Meu joelho bichado reclamando, minha percata escapando aqui, ali; o ar faltando, mas varei na Praça da República tomado da mais plena emoção, bem em tempo de ver a Santa passar, na chegada da Fluvial.

E tem das outras, poucas e boas, já da banda do profano. Foi também num sábado.

Saltei de um lado pra outro da Presidente Vargas depois que aquele vuco-vuco de motos passou. Nisso, neste entretempo, o cortejo do Pavulagem já se ia no bem adiantado do passo em direção à praça do Carmo. Me atrasei na margem interceptada pelas motos, mas não amofinei. Parti atrás. Foi um dos shows mais pródigos do grupo. Muitos convidados, lançamento de novas canções. Já na praça, fui me deixando tomar pela empolgação. Música no ar, gente amiga à beça. O tempo correu a mil e quando dei fé só restávamos eu, o jornalista Edson Coelho, uns poucos e a noite como testemunhas remanescentes do folguedo. A notícia, inclusive era que a Transladação já vinha que vinha. Como voltar pra casa, com todas as ruas que levavam à Pedreira travadas? Fizemos o último brinde e saímos à cata de um jeito de tornarmos ao lar. Fora a dificuldade de achar um táxi (não tinha uber na época e mesmo se uber houvesse, penso que seria difícil destravar a bom termo). Outro porém, severíssimo encalacre: o cacau, o picholé, o money, o tutu, o dindim. Passar o dia todo na rua leva todo nosso recurso. Eu estava na raspa. No pira paz não quero mais. Alentado. Não falei nada pro Edson. Não queria que ele se preocupasse com minha falência. Fizemos um plano, conseguimos um táxi além da Tamandaré e de lá, o motora se esmerou em malabarismos e traçados exóticos de roteiros. Fez um arrodeio estratégico e emergiu na 14 de março, ali na parte comum ao Umarizal e que era a primeira parada para deixar o jornalista. Natural que o cerzido executado pelo taxista onerou pacas a corrida. Edson desceu e quitou a viagem até ali na Quatorze. Eu seguiria para a Pedreira. Aí foi que foi. Apalpei os bolsos, catei os caraminguás, o montante não chegou a 20 contos de dinheiros. O que me restou foi me pegar com a Santa. Estava decidido, dizque, a parar e descer quando o relógio marcasse o tanto de dinheiro que eu tinha. Mesmo que fosse ainda distante de casa. Segui na apreensão.

O chofer entrou na Pedreira, pegou a pista do meio, em boa velocidade. Meus sentidos ligados no taxímetro. A cada tac (ou tic, ou tec) do reloginho captado pela minha audição, a visão aferia quantas casas se moviam no totalizador da corrida. Tensão, fé ardorosa, orelhas esquentando. Quinze paus e chegamos à feira da Pedreira, confluência da Mauriti. Mais um pouco, cruzando o Josino, já contava dezessete e uns caroços. Quando entramos na reta final da Aldeia Cabana eu estava a suar frio, a vista turvando... dezoito e uns trocados. Na hora que o homem pisou no freio e parou diante de casa, nem olhei pro marcador. Dei tudo que tinha coletado nos bolsos. Ele assentiu, agradeceu, deu boa noite e eu só disse Amém. A conta foi abençoadissimamente certa, o tanto absoluto e irremediável das minhas posses.

Este ano aconteceu que nem. O mesmo aperreio pra voltar pra casa. Nem uber valendo os tubos apareceu para nos resgatar após a Transladação. Esperamos que entojamos. Tá na hora de se pensar com mais humanidade, numa operação de resgate, com mobilização de transporte em vetores estratégicos, após os principais eventos da quadra nazarena. Senão o romeiro aqui não dá mais conta.

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