Carapanã às pampas
Naquela
horinha da tarde quando o calor é de correr doido pelos estirões do mundo afora
da Pedreira, ajeitei um banho para refrescar o cocuruto. Mas foi eu entrar no
banheiro e a carapanã varou bem na minha frente. Pleno ensolarado da tarde.
Muito das suas porruda. Apareceu condoreira como daqui pra’li, bem ao meu
alcance. Não contei conversa. Posicionei as mãos espalmadas em linhas paralelas
de ataque. Não tinha errada aquele clap, ainda mais que ante o contraste dos
azulejos brancos, aquele serzinho enxerido era alvo fácil. Concentrei e dei-lhe
uma boa palmada. Minhas mãos chega doeram, tornaram vermelhas da investida, mas
evidência de sucesso na operação, não traziam não. Como por encanto, a sacrista
da carapanã escapou.
Eu
heim, tô pra adivinhar como conseguem. Estão ali, no papo, no jeito para serem
esmigalhadas, mas num trisca somem, escafedem-se. Penso ser até uma arte de
desaparecimento, de natureza além do que prevê a nossa vã filosofia de zap.
Maldo
ser fenômeno quântico equivalente àquele elaborado por Schrödinger (e não me perguntem como
se pronuncia o nome do gênio), só que na hipótese do cientista, o personagem
era um gato. Aquele ser que experimentava a superposição de estados opostos da
matéria. Se Schrödinger tivesse ilustrado sua teoria usando a carapanã aqui do
banheiro de casa, o mundo seria outro, teríamos a compreensão exata do
fenômeno, pois que seríamos testemunhas de que uma carapanã decidida pode estar
e não estar, parecer voando de palmo e cima da gente e não parecer voando de
palmo em cima da gente. Responder ao espectro da luz visível, e assim, num tapa
vão, não responder. Acrescento até que o comportamento de uma carapanã em suas
fugas espetaculares, dá significância a abstrações cósmicas, induz a
existências de mundos paralelos. Outras e impenetráveis dimensões. Escudos
etéreos contra mãos espalmadas a fim de esmigalhar um abdome de inseto. Foi o
que aconteceu naquela tarde quente quando eu me aviava a um refrescante banho.
Estava em tempo de amassar aquele mosquito porrudo, quando ele engatou uma
velocidade de Enterprise,
dobrou a esquina do horizonte de eventos e sumiu para o infinito e além.
Uma
sina essa de abicorar carapanã. Vem da primeira malária que peguei em Rondônia.
Fiquei impressionado. Criei pavor. Sofri de marré com meia cruz de vívax, daí a
minha cisma, minha inquietação. Ainda me recuperando no hospital, não dormia.
Tinha como meta a vingança sará maligrina. Enquanto eu estivesse tomando
agulhada na poupança e rente na dosagem periódica de primaquina, não deixaria
uma única carapanã ao tempo pra contar a história. Espirrava veneno,
esmigalhava com a chinela, ia atrás, caçava embaixo da cama, atrás das coisas,
do cortinado e dos pressentimentos. Às vezes atacava o vento.
Anos
mais tarde experimentaria uma aventura que se eu não fosse do crédito e da
certeza, seria difícil de acreditar. Acampado à beira do Xingu, a partir de 4 e
meia, cinco da tarde me via envelopado por uma inimaginável população de
carapanãs. Mas eram muitas mesmo. A gente jantava ainda com um sol quentinho e
olha, mais que depressa era perna-pra-que-te-quero e tibum, debaixo do
mosquiteiro. Ali carapanã não precisava de velocidade Entreprise não. Estavam
no comando e se a gente bestasse, era risco certo sermos derrubados e sofrermos
algum trauma de queda por causa daquela nuvem escura nos empurrando. Lá no
Xingu, é que tinha carapanã às pampas e olha como são os caprichos de um lugar
bom. Mesmo com aquele rio de carapanãs, no Xingu não peguei uma malarinha doce
sequer.
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