sábado, 13 de agosto de 2022

crônica da semana - carapanã às pampas

 Carapanã às pampas

Naquela horinha da tarde quando o calor é de correr doido pelos estirões do mundo afora da Pedreira, ajeitei um banho para refrescar o cocuruto. Mas foi eu entrar no banheiro e a carapanã varou bem na minha frente. Pleno ensolarado da tarde. Muito das suas porruda. Apareceu condoreira como daqui pra’li, bem ao meu alcance. Não contei conversa. Posicionei as mãos espalmadas em linhas paralelas de ataque. Não tinha errada aquele clap, ainda mais que ante o contraste dos azulejos brancos, aquele serzinho enxerido era alvo fácil. Concentrei e dei-lhe uma boa palmada. Minhas mãos chega doeram, tornaram vermelhas da investida, mas evidência de sucesso na operação, não traziam não. Como por encanto, a sacrista da carapanã escapou.

Eu heim, tô pra adivinhar como conseguem. Estão ali, no papo, no jeito para serem esmigalhadas, mas num trisca somem, escafedem-se. Penso ser até uma arte de desaparecimento, de natureza além do que prevê a nossa vã filosofia de zap.

Maldo ser fenômeno quântico equivalente àquele elaborado por  Schrödinger (e não me perguntem como se pronuncia o nome do gênio), só que na hipótese do cientista, o personagem era um gato. Aquele ser que experimentava a superposição de estados opostos da matéria. Se Schrödinger tivesse ilustrado sua teoria usando a carapanã aqui do banheiro de casa, o mundo seria outro, teríamos a compreensão exata do fenômeno, pois que seríamos testemunhas de que uma carapanã decidida pode estar e não estar, parecer voando de palmo e cima da gente e não parecer voando de palmo em cima da gente. Responder ao espectro da luz visível, e assim, num tapa vão, não responder. Acrescento até que o comportamento de uma carapanã em suas fugas espetaculares, dá significância a abstrações cósmicas, induz a existências de mundos paralelos. Outras e impenetráveis dimensões. Escudos etéreos contra mãos espalmadas a fim de esmigalhar um abdome de inseto. Foi o que aconteceu naquela tarde quente quando eu me aviava a um refrescante banho. Estava em tempo de amassar aquele mosquito porrudo, quando ele engatou uma velocidade de Enterprise, dobrou a esquina do horizonte de eventos e sumiu para o infinito e além.

Uma sina essa de abicorar carapanã. Vem da primeira malária que peguei em Rondônia. Fiquei impressionado. Criei pavor. Sofri de marré com meia cruz de vívax, daí a minha cisma, minha inquietação. Ainda me recuperando no hospital, não dormia. Tinha como meta a vingança sará maligrina. Enquanto eu estivesse tomando agulhada na poupança e rente na dosagem periódica de primaquina, não deixaria uma única carapanã ao tempo pra contar a história. Espirrava veneno, esmigalhava com a chinela, ia atrás, caçava embaixo da cama, atrás das coisas, do cortinado e dos pressentimentos. Às vezes atacava o vento.

Anos mais tarde experimentaria uma aventura que se eu não fosse do crédito e da certeza, seria difícil de acreditar. Acampado à beira do Xingu, a partir de 4 e meia, cinco da tarde me via envelopado por uma inimaginável população de carapanãs. Mas eram muitas mesmo. A gente jantava ainda com um sol quentinho e olha, mais que depressa era perna-pra-que-te-quero e tibum, debaixo do mosquiteiro. Ali carapanã não precisava de velocidade Entreprise não. Estavam no comando e se a gente bestasse, era risco certo sermos derrubados e sofrermos algum trauma de queda por causa daquela nuvem escura nos empurrando. Lá no Xingu, é que tinha carapanã às pampas e olha como são os caprichos de um lugar bom. Mesmo com aquele rio de carapanãs, no Xingu não peguei uma malarinha doce sequer.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário