“Aline!" pour qu'elle revienne
A
tarde findava. Eu e meu melhor amigo Edir Gaya, na ocasião, único funcionário e
empreendedor compulsório do Crediário Santa Luzia, negócio mantido por mamãe
aos trancos e barrancos, contabilizávamos o movimento do dia e nos preparávamos
para desarmar a barraca. Seu Jorge, meu tio, no estirão de calçada que margeava
a Mauriti, tomava um cafezinho e dava um tempo para decidir se ia embora ou
não. Olhava pro céu, fazia umas contas, comparava datas, direção do vento,
textura das nuvens e definia a previsão meteorológica da hora. Outros feirantes
tomavam decisões diversas. Alguns optavam por uma cervejinha para encerrar a
lida. Outros rearrumavam a mercadoria já no modo viração. Era nesse clima, meio
ocaso plúmbeo, meio esperança vibrante; um tanto desilusão com a liquidez e
rentabilidade, outro tanto e mais um pouco de contentamento com a féria diária.
Parte racional com um futuro incerto e a outra parte destacando o romantismo da
esperança presente... Pautado neste cenário, o rapaz do som (que era como
chamávamos os DJ’s à época), que operava a rádio cipó, dava voz aos ventos que
varrem a Pedreira, e colocava pra tocar o disco do Cristofhe. Ao ouvir a
introdução da música em arranjo emotivo, soltando faísca, convulsionando as
mais recatadas reações, eu dava aquela paradinha, olhava o entorno, gravava as
imagens, os sentimentos, as energias que vagavam em eternas trajetórias ao
largo do mercado da Pedreira. Era sábado encantado. “Aline!" pour qu'elle
revienne.
Era
o único dia que podíamos trabalhar os dois períodos, o sábado. Durante a semana
e no domingo, a feira da Pedreira só operava até o início da tarde. Duas
horinhas da tarde, um tantinho a mais ou a menos e a turma já deveria capar o
gato. Não tinha escapatória. Era a vez da limpeza e do churrasquinho pra mais
tarde e que ia noitinha à dentro.
Penso
ser por isso que tenho comigo a força do sábado.
E
entendendo essa vibração do sábado é que conjuguei carências, condensei
nostalgias, agrupei desejos e me abalei para o veropa, semana passada.
Mas
tava na ira. Sabe um cuíra, um comichão, uma vontade incontrolável de comer uma
carne assada de panela da feira? Pois é. Estava fazendo menção, ensaios, uma
tentativa em casa, mas ainda não havia realizado este meu desejo. E quando isso
poderia acontecer de forma mais emblemática? Num sábado, ora.
Também,
fazia tempo, desde o início da pandemia que não me arriscava em ônibus. Pois
peguei um Ceasa-Ver-o-Peso, pela meio-dia, e
me abalei pro centro.
Piririquei
pelo furdunço à beira da baía. Gente pacas, só um rego pra passar no meio do
povaréu. Dei pra trás. Desci nos PFs. Mais mina de gente e olhe lá, olhe lá,
umas tentações untadas no mais remoso dos colesteróis ali, a nos assediar. A
muito custo, lutando contra meus diabinhos assanhados por uma gordurinha, dei
de banda. Atravessei para o mercado Bolonha, àquela hora da tarde, mais aquele
de tranquilo em termos de gente, de coisa e de movimento. Consegui uma mesa só
pra mim, pedi meu prato e uma cervejinha pra espairecer. Apreciei o som difuso,
bati o pezinho e cantarolei baixinho, sucessos antigos enquanto esperava.
Desejo
satisfeito com sucesso, quando fui saindo, adivinha que música o DJ do som
difuso pôs pra tocar? “Aline!" pour qu'elle revienne.
Voltei
na mesma pisada e tomei mais uma. Com uma lagriminha rolando dos olhos. Senti
Seu Jorge, os feirantes amigos, minha mãe e o crediário Santa Luzia perto. Bem
pertinho de mim.
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