Meu pé esquerdo
Esta
Pedreira querida me tem de um tudo. É um bairro completo do hio ao chio. Sai da
Pedreira para cuidar das precisões, quem quer. Aqui, de tudo há. Nesse sábado
próximo passado, fugi do isolamento e fui atrás de uma farinha da boa, daquela
que ‘estrala’ no dente, lá na feira. No caminho, aqui e ali, dei uma guinada para
conferir as ofertas dos mais variados produtos disponíveis no comércio, que se
espalha pelo estirão de pista tripla da Pedro Miranda. Entrei numa loja de
roupas. Peças boas, de acabamento no jeito, preços em conta. Reinei comprar
umas coisinhas. Na mesma pisada desisti. Não vou pras partes faz tempo. Não
tenho precisão de roupas novas. Taí, bem que dura que só comigo é roupa. Dia
desses me surpreendi com uma foto que achei nas redes sociais, de um encontro
com escritores, na praça da República, em que estou com uma bermuda que até
hoje me serve. A foto é de 2012. Dez anos passados e a bermuda tá ali, na
canforina, boinha da silva. Sem um isso de desbotado. E praticamente no desuso,
nesses anos de pandemia. Agora que tá amainando o contágio e o medo passando, calha
d’eu me sentir destreinado dos passeios... Quer dizer que tem mais tempo de serventia,
a bichinha, pela frente.
Além
das esquivas no vírus, uma razão, diria, ideológica, me faz abicorar-me na
trincheira: nossa guerra doméstica e diária. Sempre fui de esquerda. Daqueles
de usar embornal, roupa por passar e barba desgrenhada. Em grupos de igreja, movimento
estudantil, práticas sindicais, sempre privilegiei, ante a mais rica sedução, a
causa dos fracos e oprimidos. E achava que todas as pessoas com quem me
relacionava pensavam igual. Mas quando! Como diria uma pensadora que conheci
tempos outros e que deixou saudade: ledo engano.
Hoje, atento
ao front, enquanto exercito estratégias de convivência pautadas em vultosas
doses de democracia (para não me deixar escorregar à hipocrisia), cuido. Porque
vem da parte dos dizeres de mamãe e também das prosas populares: boa romaria
faz...
Tá é
remoso o troço. A tal polarização não tem mais eira nem beira. A ciência foi
tragada pelo vendaval de opiniões ‘colteanas’, e os mais bestiais instintos
antes socialmente represados, nos limbos e inconscientes, afloraram e,
conscientemente, com justificativas estúpidas estão avançando selvagens sobre a
razão, corpos indefesos e pressionando nossa paciência.
Não
fosse trágico, o cenário seria risível. Pra espairecer, tem aquela história do
papo de bar em que um parça meu, doutor das artes matemáticas, na descontração
da tarde e mirando o pôr do sol, afirmou que a partir do raio da Terra e da
aplicação do teorema de Pitágoras, seria possível calcular a distância da mesa
em que estava com a turma, tomando umas no happy hour, até a linha do horizonte.
Adiantou que tudo se resolvia achando o valor de um dos catetos. Logo tomou foi
um susto ao ser confrontado por um dos presentes, tido e havido como ser do bem,
que o alfinetou dizendo que aquele resultado se dava por causa de uma opinião
dele, do meu parça que tem doutorado, diga-se, e que nada garante que a Terra
tenha um cateto ou um raio. Ora, raio! Nem o Pitágoras!
Éraste!
Chega dá um arrepio.
Entrincheirado,
o que me resta é explorar esta Pedreira que me entontece, protegido pelas
mangueiras que dominam os canteiros das três pistas. Esta caminhada, quebrando
aqui, acolá, para dar atenção a um representante do comércio varejista, talvez
diga algo sobre a destreza do meu pé esquerdo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário